O sonoplasta britânico John Warhust, que recebeu um Óscar por “Bohemian Rhapsody”, disse à agência Lusa que conferir autenticidade a um filme é o mais importante, com o lado visual a determinar a construção sonora de cada instante.

Numa entrevista à Lusa, à margem do FEST – Novos Realizadores Novo Cinema, festival que termina hoje em Espinho, John Warhust explicou que o processo mais importante num filme como “Bohemian Rhapsody”, sobre a banda Queen e um “ícone” como Freddie Mercury, ou no musical “Os Miseráveis”, em que também trabalhou, é que “as pessoas acreditem”.

“Sendo sobre alguém como o Freddie [Mercury], era muito importante que o filme funcionasse para toda a gente. (...) Antes de filmarmos, até, era importante que o filme fosse autêntico. A parte essencial disso é que o trabalho do [ator] Rami Malek para ser Freddie fizesse as pessoas acreditar”, revelou, notando que a mistura entre vocais de Malek, Mercury e de um outro cantor tornaram mais complexa a busca pela autenticidade.

Warhurst, que este ano recebeu o Óscar pela edição de som da obra biográfica do vocalista dos Queen, não queria “que as pessoas duvidassem por um segundo que o Rami não era o Freddie”, e esse lado sonoro também passou “por uma combinação de como toca piano, como canta, e a forma como é filmado”.

“O Rami tinha absolutamente de cantar. Quando vemos alguém a conversar, sabemos o som que pode sair, percebemos se a voz não for real ou tiver sido adulterada. (...) Ao filmar a cena no ‘Live Aid’, o Rami tinha de ter aquela intensidade do Freddie”, aponta o sonoplasta.

Destacando as dificuldades em “igualar esse nível”, durante filmagens que duraram duas semanas, a verdade é que essa “grande exigência física” acabou por se notar nos vários tipos de filmagens, do grande plano aos ‘close ups’.

“Se o Rami não tivesse essa energia, não poderíamos igualar esse momento com os vocais do Freddie que usámos, ninguém acreditaria. Num ecrã de cinema, com uma boca de um metro e uma cabeça de três, tens de acreditar mesmo. Nessa cena, consegues ver cuspo a saltar da boca dele, as veias no pescoço a sobressair. Isto é muito importante, e foi a culminação de tudo o que aprendi ao trabalhar noutras obras”, explicou.

Rami Malek conquistou o Óscar de melhor ator, com o desempenho em “Bohemian Rhapsody”.

Em “Os Miseráveis”, de Tom Hooper, Warhust trabalhou num outro estilo, o musical, em que “o drama está em cada canção e nas letras”. Aqui, todas as partes vocais foram gravadas ao vivo, em vez de num estúdio, de novo pela ideia “de honestidade”.

“É uma mudança que começou a acontecer nos últimos 10 anos. O que aprendemos no ‘Les Mis’ ['Os Miseráveis'] é que não é preciso ir para o estúdio gravar vocais perfeitos. As pessoas ligam-se mais, porque há um sentido de honestidade, mesmo que o vocal não seja imaculado”, considerou.

Sobre o possível efeito da nostalgia na produção de mais biografias sobre músicos ou bandas, com dezenas de filmes norte-americanos do género em várias fases diferentes de produção e com lançamentos previstos para os próximos anos, a opinião de John Warhurst é que há “um interesse definitivo em conhecer a história”, por não terem visto o surgimento de nomes “que acompanharam a vida de muita gente”.

“Ninguém sabia o que era a experiência The Beatles antes dos The Beatles. Eram únicos, agora temos estas referências todas. Há uma nostalgia que leva a que as pessoas queiram entender a história destes grupos. Talvez a seguir venham as bandas dos anos 1980, quem sabe?”, atirou.

O próximo projeto do sonoplasta britânico é outra adaptação de um musical, e de novo com o realizador Tom Hooper, desta feita de “Cats”, de Andrew Lloyd Webber, que, à semelhança, de “Os Miseráveis”, “é de novo gravado totalmente ao vivo, com muitas canções e muita dança”.

“É exatamente como na versão de palco. Dizemos sempre que há quem o faça oito vezes por semana em palco, por isso também se faz no cinema. O filme sairá no final deste ano”, comentou.

Este filme foi filmado com recurso a cenário, num “ambiente mais controlado”, mas como os microfones são colocados em fitas para o cabelo, “como na Broadway ou no West End”, a produção espera “fazer ainda mais com o som dos que em ‘Os Miseráveis’”, numa busca por “fazer avançar o meio, e fazer melhor em cada filme”.

John Warhust trabalhou em vários filmes nomeados para Óscares, como “Os Miseráveis”, “Três Cartazes à Beira da Estrada” e “Bohemian Rhapsody”, além de outras obras como “A Teoria de Tudo” e “127 Horas”.

"Vera Drake", "O Senhor dos Anéis - O Regresso do Rei, "Lara Croft - O Berço da Vida", "As Horas" e "Harry Potter e a Câmara dos Segredos" são outros filmes a que o seu nome está associado.

O FEST – Novos Realizadores Novo Cinema termina hoje depois de ter arrancado a 24 de junho e ter trazido a Portugal realizadores, produtores, argumentistas e outros profissionais da indústria do cinema de dezenas de países, para oficinas, exibições e outras sessões de formação e apresentação.