Após vários fracassos e desilusões em 2023, a Disney teve uma recuperação espetacular este ano, com três filmes ("Divertida-Mente 2", "Deadpool & Wolverine" e "Vaiana 2") nos cinco que mais arrecadaram nos bilheteiras: a primeira vez que isso acontece na dita 'era pós-COVID'.
Os outros grandes sucessos foram "Gru, o Maldisposto 4" (Universal) e "Dune - Duna: Parte 2" (Warner Bros.): o Top 5 representou 32% de todo o mercado de cinema em 2024, em contraste com os 15% em 2014. Todos são sequelas, quando os sucessos de “Barbie”, “Super Mario Bros. O Filme” e “Oppenheimer” no ano passado não tiveram um algarismo no título.
O único filme 'original' nos maiores sucessos é “Wicked”, a adaptação de um musical da Broadway popular há mais de 20 anos.
“Parece que tudo o que Hollywood está a oferecer é uma sequela, uma prequela ou um 'reboot'. Mas podemos culpar os estúdios? É com isso que o público se está a regalar”, aponta Jeff Bock, analista da Exhibitor Relationships.
Claro que esta contradição não escapa à indústria.
“O público diz que quer títulos originais, mas está a reforçar e a apoiar as opções mais seguras de títulos que conhece”, disse à revista Variety Tony Chambers, vice-presidente executivo de distribuição global de filmes da Disney.
Entre os maiores 'flops' de 2024 estão "Joker: Loucura a Dois", "Horizon: Uma Saga Americana - Capítulo 1", "Borderlands", "Furiosa - Uma Saga Mad Max", "Megalopolis", "Profissão: Perigo", "Leva-me Para a Lua", "IF: Amigos Imaginários" e dois títulos do Universo Marvel da Sony, "Madame Web" e "Kraven, o Caçador".
“Estou preocupado com o facto de que o mercado evoluiu de uma forma que existe uma grande lacuna entre o que resulta e o que não resulta. Os que funcionam são maiores do que antes, e os que falham são maiores do que antes", disse à revista Jeff Goldstein, presidente da distribuição doméstica do estúdio Warner Bros., que destaca também que encolheu a 'classe média' de filmes únicos de sucesso que representava grande parte dos lançamentos nos cinemas.
Blair Rich, diretor comercial e de marketing da Legendary, a produtora dos sucessos “Dune” e “Godzilla x Kong: O Novo Império”, também deixa um alerta: "O público consegue perceber quando as sequelas só existem porque os estúdios precisam de fazer outra. Tem de ser merecida e executada com a mais elevada qualidade possível. A minha esperança é que esta mentalidade de que 'um tamanho dá para tudo' esteja a começar a diminuir e o foco seja novamente a originalidade, mesmo que seja uma sequela.”
Espera-se que as receitas das bilheteiras atinjam os 30,5 mil milhões de dólares a nível mundial (29,27 mil milhões de euros), uma queda de mais de 10% em relação a 2023, ano que já tinha ficado quase 20% abaixo dos níveis pré-pandemia.
Já na América do Norte, a venda de bilhetes deve ficar perto dos 800 milhões, em contraste com a média anual de 1,3 mil milhões antes da COVID-19 fechar os cinemas em 2020.
“Muitos dos ganhos que estamos a ver nas bilheteiras devem-se ao aumento dos preços dos bilhetes. Os cinemas precisam fazer um trabalho melhor para promover a experiência cinematográfica e fazer com que as pessoas voltem", preconiza Eric Handler, diretor administrativo do banco de investimento Roth Capital Partners.
As greves históricas de argumentistas e atores de Hollywood em 2023 deixaram os cinemas com menos filmes, algo que os analistas pensam ser apenas parte da causa do declínio nas receitas.
“Ainda estamos em modo de recuperação pós-pandemia. Está a demorar para que as pessoas voltem aos cinemas e tenham uma programação com amplitude e diversidade.”, diz Eric Wold, analista da B. Riley Securities.
A Variety ouviu também Mark O’Meara, que gere duas salas no estado da Virginia e com mais de 30 anos de experiência, que diz que se preocupa constantemente a pensar para que filmes os seus clientes vão comprar bilhetes num determinado fim de semana: "Não é que as pessoas tenham perdido o amor pelo grande ecrã, apenas perderam a prática".
O público que habitualmente ia ao cinema virou-se para os serviços de streaming: "Encontro as pessoas no supermercado e dizem-me: 'Não tens nada que queiramos ver'. Não as culpo em certos fins de semana. Ninguém nega que consomem conteúdo. O problema nunca foi esse. Estamos a competir com o conforto do sofá. Os bons filmes vendem, não importa o que se esteja a passar. Mas precisamos que sejam mais."
No mesmo sentido vai Peter Cramer, presidente da Universal Pictures: "Todos temos consciência de que é preciso criar uma sensação de urgência para que os filmes funcionem nas bilheteiras. Gostaria de poder dizer que o público casual do cinema é tão forte como precisa ser, mas não é. Precisamos levar as pessoas a saírem de casa.”
Chris Randleman, diretor de receitas dos cinemas Flix Brewhouse, deixa algo positivo no balanço do cinema que chegou em 2024.
"Não estamos tão dependentes dos filmes de super-heróis. Estamos a aproximar-nos de ficar a 2% das receitas de bilheteira de 2023 e isso com um filme de super-heróis de sucesso e três que fracassaram. Também o fizemos sem filmes ‘Star Wars’ ou ‘Mundo Jurássico’. Se disséssemos isto às pessoas há cinco anos, pensariam que estávamos doidos", resume.
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