Quatro anos depois de “Os Miseráveis”, filme de choque multipremiado, o realizador Ladj Ly muda o tom, mas não o cenário: em "Bâtiment 5" [“Edifício 5”, em tradução literal], evoca as dificuldades da renovação urbana e as reviravoltas da política local nos subúrbios.

O filme de 2019 contava a história de um homem que chegava para integrar a Brigada Anti-Crime (BAC) de Montfermeil, nos arredores de Paris, e não tardava a descobrir as tensões entre os diferentes gangues locais. Durante uma detenção, um drone filmava todos os atos e gestos da equipa, o rastilho para fazer explodir a tensão latente.

Mais clássico na aparência, menos movido pela urgência, “Bâtiment 5”, que chega aos cinemas franceses na quarta-feira, está interessado no flagelo dos condomínios degradados, essas unidades habitacionais em bairros populares onde famílias modestas acabam presas num círculo vicioso entre a explosão de queixas e a degradação dos edifícios.

Décadas após a compra dos seus apartamentos, as pessoas viram-se expropriados pelo Estado e realojadas em habitações públicas.

“Uma bela fraude organizada” denuncia Ladj Ly, que conhece o problema por ter crescido em Clichy/Montfermeil (Seine-Saint-Denis), que era uma das maiores favelas verticais.

"Os nossos pais compraram todos, éramos todos proprietários! Disseram-nos: para se integrarem é preciso ser proprietário. Acabaram de pagar o crédito com juros de 15%, fizemo-los pagar três vezes o apartamento, o que foi uma fraude consumada; para 20 anos, depois serem expropriados e acabarem como inquilinos", testemunha.

O filme retrata o confronto entre dois recém-chegados à política local, um pediatra (Alexis Manenti) que aceita tornar-se presidente da câmara após a morte do titular e se irá afundar no autoritarismo, e uma jovem, Haby (Anta Diaw), revoltada com a injustiça feita às famílias expropriadas e que vai lançar uma campanha contra o município depois descobrir o novo plano de requalificação para o seu bairro que passa pela demolição do "Edifício 5", o prédio onde cresceu.

Depois de ter colaborado no argumento de dois filmes dos seus amigos mais próximos, ("Athena", de Romain Gavras, para Netflix, e "Le Jeune Imam" ["O jovem imam""] de Kim Chapiron), Ladj Ly reencontra boa parte da sua equipa de "Os Miseráveis" e recursos muito maiores. A recompensa do sucesso.

“Encontrámos uma família com quem vivemos os melhores momentos”, afirma o ator Alexis Manenti.

“Chegamos depois de 'Os Miseráveis', sabemos que somos esperados”, nota.

Tal como esse filme, que atraiu 2,1 milhões de espectadores e arrecadou 4 Césars (o "Óscar francês), incluindo o de Melhor Filme, "Bâtiment 5" tem um valor quase documental, já que Ladj Ly conhece estes lugares de Seine-Saint-Denis como poucos cineastas e continua a trabalhar com as pessoas do bairro onde cresceu.

Cena premonitória

Ladj Ly ao centro com os seus atores cúmplices: Alexis Manenti e Anta Diaw

“No filme falamos cerca de dez línguas, bambara, fulani, soninké, sírio, inglês, francês! A ideia é essa riqueza. É isso que a França é hoje, uma mistura de tradições, devemos homenagear estas culturas" sem cair em clichés, sublinha o realizador de 45 anos, que está no centro do coletivo Kourtrajmé, que há anos ajuda a formar profissionais de cinema dos subúrbios de Paris, e que está próximo do ator Vincent Cassel ou do cineasta Mathieu Kassovitz, lançados para a fama com "O Ódio" (1995), outro filme controverso sobre os bairros dos subúrbios de Paris.

Após os tumultos que abalaram a França na sequência da morte de Nahel por um polícia em junho, "Bâtiment 5" é aguardado com ansiedade. Traz uma mensagem sobre o envolvimento na política dos jovens dos bairros.

E impressiona por uma cena que parece premonitória, onde a residência burguesa do presidente da câmara é invadida por um morador desesperado.

“É a única cena ficcional do filme”, e foi filmada antes do ataque no início de julho com um automóvel à casa de Vincent Jeanbrun, presidente da câmara de L’Haÿ-les-Roses (Val-de-Marne), na fase intensa dos tumultos, especifica Ladj Ly.

"As pessoas ficam surpreendidas, mas dá para perceber quando as coisas vão piorar. A certa altura, a raiva toma conta quando isso acontece", observa.

"Bâtiment 5" ainda não tem estreia anunciada para Portugal.