Os avanços da Netflix semearam durante anos dúvidas sobre o futuro das salas de cinema, mas o gigante do streaming, que regista uma perda progressiva de subscrições, pode beneficiar do crescente regresso dos cinéfilos às lugares, de acordo com John Fithian, chefe da associação que agrupa os cinemas dos EUA.

“As portas das salas de cinema sempre estiveram abertas para os filmes da Netflix”, declarou Fithian em entrevista à France-Presse (AFP) durante a CinemaCon, a convenção anual que reúne em Las Vegas os grandes nomes da indústria audiovisual.

Fithian, chefe da Associação Nacional de Proprietários de Salas de Espetáculos dos EUA, disse que teve “várias discussões” com o diretor de conteúdo da Netflix, Ted Sarandos, pedindo para que “veja se as produções funcionam nos cinemas”.

“Não estou a olhar para as cotações das ações. Só a focar-me nos dados. Pode-se fazer mais dinheiro, inclusive sendo um streamer, se exibir os seus melhores filmes primeiro nas salas de cinema”, afirmou.

Estrear os filmes primeiro no grande ecrã, antes de os disponibilizar nas plataformas de conteúdos, vai em contramão com o modelo de negócios de sucesso da Netflix, que fez gigantes como Disney e Warner mexerem-se durante a chamada “guerra do streaming”.

A plataforma revolucionou Hollywood e a forma como o público consome narrativas audiovisuais, investindo enormes quantidades de dinheiro para “roubar” as estrelas dos estúdios tradicionais e mantendo os espectadores no sofá de casa.

Porém, a perda de 200 mil assinantes - 0,1% do total - no primeiro semestre, anunciada na semana passada, assustou o mercado e fez cair as ações da Netflix em mais de 30% num só dia.

A empresa anunciou várias estratégias novas, entre elas assinaturas mais baratas com publicidade.

Algumas das suas principais produções já são projetadas nas salas de cinema de forma limitada, para que possam concorrer aos Óscares, mas a pergunta que surge é se poderia considerar uma atenção maior ao grande ecrã.

“Acredito que o modelo da Netflix pode evoluir nessa direção. Esperamos que aconteça”, disse Fithian.

Isso proporcionaria a um filme um “destaque maior”, apontou o executivo, que acrescentou que “filmes que vão diretamente para os serviços de streaming perdem-se”.

“Morta”

John Fithian durante a CinemaCon

O ambiente está mais animado na edição deste ano da CinemaCon, em comparação com 2021, que foi afetada por uma das variantes da COVID-19, que continuava a afugentar o público e obrigando os estúdios a saltar as salas de cinema e a lançar "online" seus conteúdos.

Esta semana, Fithian foi parar às manchetes com o seu discurso anual ao afirmar que estava “morta” a tendência de lançar filmes de forma simultânea nos cinemas e nas plataformas digitais.

“Isso não saiu do nada, veio de consultas com vários dos nossos estúdios parceiros sobre o que pensam a respeito de como vão lançar as suas produções”, explicou à AFP.

Os grandes estúdios de Hollywood recentemente entusiasmaram os proprietários dos cinemas ao voltar a implementar a janela de exclusividade, o tempo em que os filmes são projetados apenas nas salas. No entanto, a janela atual de 45 dias ou menos é inferior à de 90 dias de antes da pandemia.

“A discussão é mais sobre a extensão dessa janela, não sobre se deveria ou não existir uma”, ressaltou Fithian.

Preocupações

CODA - No Ritmo do Coração

Mas há motivos de preocupação na indústria. Entre eles o modelo de negócios da Amazon Prime Video, que, segundo Fithian, “não está a tentar fazer dinheiro com os filmes”, mas sim atrair consumidores para “fazer compras e usar os seus serviços de entrega”.

O Prime, serviço de assinatura da gigante Amazon, adquiriu o tradicional estúdio MGM ao fechar negócio por 8,5 mil milhões de dólares no mês passado.

“Se estão a comprar empresas para retirar filmes da linha de fornecimento aos cinemas, para lançá-los apenas no digital, estão a reduzir as escolhas do consumidor e a competição”, afirmou o executivo.

Além disso, Fithian indicou que existem preocupações sobre os Óscares.

No mês passado, a Apple TV+ tornou-se a primeira plataforma de streaming a conquistar a estatueta de Melhor Filme com "CODA - No Ritmo do Coração", enquanto enormes sucessos de bilheteira como “Homem-Aranha: Sem Volta a Casa” ficaram de fora das principais categorias.

A indústria audiovisual também está atenta ao impacto nos cinemas da Rússia do embargo imposto por Hollywood em resposta à invasão militar da Ucrânia.

“Esse mercado não foi abandonado. Trata-se de uma pausa até que haja paz, até que seja o momento adequado de voltar”, disse Fithian, que descreveu o último ano como “muito estranho”.