"Mangifera" é o quarto capítulo de um projeto multidisciplinar de arte sobre perda e luto criado pela artista Flávia Gusmão, no seguimento da morte da amiga e conhecida produtora, gestora e ativista cultural cabo-verdiana Samira Pereira. O filme estreia-se este domingo, dia 16 de outubro, às 23h15, na RTP2 e ficará disponível na RTP Play.
Em conversa com o SAPO Mag, a mentora do projeto explica que a ideia surgiu há aproximadamente um ano. "Este projeto surgiu no ano passado. A minha melhor amiga, que era uma produtora, gestora e ativista cultural, a Samira Pereira, faleceu em agosto do ano passado e em setembro, ou assim, o Mindelact, o Festival Internacional de Teatro de Cabo Verde, em Mindelo, decidiu fazer a edição dedicada à Samira", começa por explicar Flávia Gusmão ao SAPO Mag. "Achei que devia fazer qualquer coisa artística e, como não estava lá, pensei numa gravação - uma audio walk que acompanhava os espectadores num percurso", recorda.
"Decidi começar a pensar num projeto de cinco capítulos, todos com formas diferentes. Escolhi que eram cinco por causa das cinco fases do luto. Mas no primeiro capítulo percebi que não iria fazer uma capítulo, uma fase e muito menos por uma ordem - estas fases foram documentadas pela Elisabeth Kubler Ross e ela própria disse que aquela ordem não é sempre assim", explica Flávia Gusmão.
"Decidi que este quarto capítulo teria a forma de um filme, que vai passar na RTP2 e na RTP Play. O filme teve uma antestreia no Mindelo e foi muito importante para mim". "O filme é um híbrido: está conotado como pertencendo ao género docudrama, tem qualquer coisa de documentário, mas também tem muita ficção", resume.
Partindo de um livro enterrado no canteiro de uma mangueira da última casa de Samira Pereira, o filme tenta "construir um mapa ficcional, geográfico, emocional e afetivo". A ficção, complexidade e nuances da identidade são construídas a partir de mapas imaginários de Cabo Verde e das comunidades cabo-verdianas.
Através de um processo de criação desenvolvido com diferentes comunidades cabo-verdianas de vários países, encontra-se um paralelo imaginado entre a biografia de Samira Pereira – nascida em 1976, um ano depois da independência de Cabo Verde – e os acontecimentos históricos e políticos que marcaram o seu círculo de amigos e co-conspiradores, o seu legado e atividade cultural e os territórios onde viveu, sobretudo os que influenciaram fluxos migratórios de partida e de regresso.
A narrativa é construída a partir de um conto de Agustina-Bessa Luís, "As mãos contra a luz", e de um poema de Shauna Barbosa, poeta norte-americana com ascendência cabo-verdiana. "Andei às voltas com os textos da Agustina-Bessa Luís que poderia inserir neste projeto e achei que 'As mãos contra a luz' tinha uma ligação com o meu projeto que é maior que este filme. Este texto poderia ser sobre a Samira porque questiona o papel da mulher na sociedade, o viver-se numa terra pequena e quer-se ir para um lugar maior e depois a vontade de voltar. O filme também fala das festividades do São João e a Agustina-Bessa Luís também refere um manjerico numa janela. Ela também coloca em causa o que é ser uma intelectual", adianta.
O filme foi produzido por três países diferentes (Portugal, Canadá e Cabo Verde) e contou com contributos de uma rede de amigos de Samira Pereira. "Fizemos o filme em pouco tempo. Algumas pessoas deslocaram-se, mas nem todas... com horários diferentes e com as dificuldades inerentes a fazer cinema, e que são muitas, mas conseguimos atingir o objetivo do filme", frisa a artista.
O filme é o quarto capítulo do projeto pluridisciplinar NA LUT@, uma criação artística de Flávia Gusmão que teve início há cerca de um ano e que terá o seu desfecho em abril de 2023, no Teatro São Luiz, em Lisboa.
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