Saudades dos anos 1980? Matt e Ross Duffer têm algumas e recuam até à década da sua infância na primeira série que escrevem e realizam. Depois de terem dirigido várias curtas metragens de terror e um filme também associado ao género, "Hidden" (2015), além da colaboração como argumentistas em "Wayward Pines", os irmãos norte-americanos conseguiram carta branca da Netflix para avançar com uma produção televisiva ambientada num subúrbio do estado do Indiana nos anos 1980, com estreia agendada para 15 de julho no serviço de streaming.
Partindo do desaparecimento de um adolescente, a dupla propõe uma união de drama familiar e thriller sobrenatural, combinação que já tem vincado a sua curta obra mas ganha aqui outro fôlego ao longo de oito episódios. Winona Ryder e Matthew Modine, estrelas que marcaram uma geração, regressam à década que viu nascer as suas carreiras e partilham protagonismo com um elenco mais jovem e inexperiente. O objetivo é recuperar a inocência e capacidade de maravilhamento de clássicos sobre a entrada na idade adulta de há três décadas ("E.T. - O Extra-Terrestre", "Conta Comigo" ou "Os Goonies"), dizem os irmãos Duffer numa entrevista telefónica ao SAPO MAG:
SAPO MAG - O que vos levou a querer contar uma história de contornos sobrenaturais nos anos 1980?
Irmãos Duffer - Em vez de uma série no formato convencional, queríamos fazer algo que se aproximasse de um filme mais longo, de mais de duas ou três horas, que se inspirasse em alguns filmes que nos marcaram e são clássicos para nós. Coisas do Steven Spielberg, do John Carpenter ou os livros do Stephen King. O que os tornou fantásticos e que os torna relevantes ainda hoje é que se concentram naquele ponto em que o comum encontra o extraordinário. Fazíamos coisas muito comuns na infância e adolescência nos subúrbios da Carolina do Norte. Jogávamos "Dungeons & Dragons", viámos muitos filmes de aventura, muitos livros desse género... E queríamos captar esse imaginário e transportá-lo para uma nova geração.
De certa forma já havia um pouco disso em "Wayward Pines", não? A família, a pequena comunidade, o ambiente de ficção científica...
Sim, há semelhanças no tom, na aproximação ao sobrenatural. Mas nessa série tínhamos sido contratados para uma tarefa específica, já que a história não era nossa, não foi desenvolvida por nós, estávamos só a ajudar alguém a contar a sua história. Esta, sim, é a nossa visão. Mas claro que o Shyamalan tem muito a ver connosco, tem muitas das nossas referências e adoramos os filmes dele. "O Sexto Sentido" ou "O Protegido" são filmes sobre pessoas normais que lidam com situações extraordinárias, histórias de que gostamos e que ajudaram a que nos aproximássemos dele.
"Hidden", a vossa primeira longa-metragem, também passava por aí...
Sim, era pós-apocalíptica mas também ia de encontro a isto. Uma família que tenta ter uma vida normal depois de um desastre, um estudo de personagens com características sobrenaturais. Interessamo-nos pelo drama que advém dessa relação. Não consigo relacionar-me com muitos super-heróis, com aquelas peripécias sobre-humanas. Preciso de algum realismo, de algo mais palpável, mesmo com sobrenatural pelo meio. Foi isso que o Spielberg conseguiu fazer tão bem e tentamos dar-lhe continuidade aqui.
Como foi a relação com a Netflix?
Tivemos muita sorte, foi um sonho tornado realidade quando nos disseram que queriam avançar. Queríamos criar um filme com outra escala e a Netflix é a plataforma perfeita para o conseguirmos. E todos concordámos que era este o tipo de série que queríamos fazer. Claro que os espectadores podem ver a série da forma que quiserem, mas para nós funciona muito bem quando é vista de seguida ou num curto espaço de tempo, em vez de a um ritmo semanal. A televisão é muito romanceada, de certa forma. Como um livro de Stephen King: podes lê-lo ao ritmo que te apetecer. Gostamos dessa liberdade que a Netflix te dá com este formatos.
Winona Ryder e Matthew Modine são muito associados à década de 1980. A escolha deles, ambos pouco vistos nos últimos anos, teve que ver com o facto de terem sido revelações nessa década?
São exemplos perfeitos de atores que crescemos a adorar, têm um lugar muito especial no nossos corações, e enquanto cinéfilos gostávamos de ver mais coisas com eles. Nas nossas conversas os nomes deles acabaram por aparecer e adorámos a ideia. Queríamos particularmente vê-los numa história de ficção científica, por isso ficámos muito entusiasmados quando ela aceitou. E sempre gostámos muito do Matthew mas temos visto muito pouco dele ultimamente. E a presença deles também ajuda a que as pessoas encarem esta série como um filme mais longo, aí os nomes deles também fazem a diferença.
Ainda assim, abrem espaço para novas caras, algumas estreantes...
Foi um trabalho difícil mas desafiante. Não há assim tantos miúdos de 12 anos que aguentem estar seis meses com este peso nos ombros. Eles são só miúdos, vimos centenas deles e acabámos por escolher muito poucos, nem sequer recorremos a duplos. Mas é muito bom partilhar a história da Winona e do Matthew enquanto apresentamos estas caras novas. E todos estes miúdos são muito especiais, tenho a certeza de que vão sair daqui grandes carreiras.
Shawn Levy ("Unbreakable Kimmy Schmidt", "À Noite no Museu") surge como produtor executivo e corealizador. O que levou à sua escolha?
Queríamos colaborar com pessoas que percebessem o que pretendíamos com esta série, e ele percebeu imediatamente. Quis logo ajudar-nos, como o realizador e produtor dedicado que é. Ele percebeu logo o apelo intergeracional desta história, até porque já tem experiência nesse tipo de coisa. Acabou por realizar dois episódios quando estávamos sobrecarregados com o argumento. Tem bons instintos, preocupa-se com as personagens, aprendemos muito com ele.
Depois destes oito episódios, poderemos aguardar mais?
Se o público for recetivo e se a Netflix quiser continuar, gostaríamos muito. De qualquer forma a primeira temporada vale por si: uma criança desaparece logo ao início e no final temos uma resolução para isso. Ficamos a saber o que lhe aconteceu e se está bem ou não. Mas também deixamos algumas questões menos essenciais no ar que podem ser aprofundadas mais tarde. A porta está decididamente aberta.
Recomendam que a série seja vista de seguida. São grande adeptos do "binge watching"?
Nós até éramos mais adeptos de filmes, mas isso começou a mudar com a Netflix. Tínhamos visto todas as temporadas de "The Wire" e depois de aderirmos ao serviço não parámos de ver séries. E gosto muito mais desse ritmo do que o de um episódio por semana, porque lá está, vimos do cinema. Gosto de as experienciar como filmes, acho que o modelo tradicional está ultrapassado. Sei que há muita gente que ainda o prefere, mas para nós faz mais sentido assim.
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