"Eu nunca te quis/ Menos do que todo/ Sempre, meu amor/ Se no céu também és feliz/ Leva-me eu cuido/ Sempre, ao teu redor/ São as flores o meu lugar/ Agora que não estás/ Rego eu o teu jardim". Estes foram os versos do tema composto por Isaura e interpretados por Cláudia Pascoal que conquistaram o público no Festival da Canção RTP, em março. Depois de terem recebido a pontuação máxima do televoto (12 pontos) na final que se realizou no Pavilhão Multiusos de Guimarães, as duas artistas preparam-se para subir ao palco do Festival Eurovisão da Canção 2018.
Com a vitória de Salvador Sobral, com "Amar pelos dois", em Kiev, Portugal recebe pela primeira vez o concurso europeu. Por ser o país organizador, a dupla que representa o país tem acesso direto à final, que se realiza este sábado, 12 de maio, na Altice Arena, em Lisboa. Os Big Five (Alemanha, Espanha, França, Itália, Reino Unido) também têm passagem assegurada à última etapa, enquanto os restantes países a concurso têm de conquistar o público e os jurados nas duas semifinais, marcadas para 8 e 10 de maio.
"É uma responsabilidade e é uma honra gigante podermos ir representar Portugal à Eurovisão, ainda por cima com a Eurovisão cá", confessa Isaura. "Jogar em casa. Vai ser tão bom. Os portugueses todos à nossa volta", acrescenta Cláudia Pascoal, que já desafiou os fãs a usarem perucas cor de rosa na final em Lisboa.
Veja um excerto da entrevista no vídeo:
As atenções já estão centradas na Altice Arena e no Festival Eurovisão da Canção, mas tudo começou há mais de dois meses. Para Isaura e Cláudia Pascoal, a odisseia para o eurofestival arrancou a 5 de março, com a vitória no Festival da Canção RTP. E as vencedoras ainda têm esse momento bem presente na memória. "Só ouvi pessoas a gritar e pensei: 'deduzo que ganhei'. Foi isto. E comecei também a gritar", conta Cláudia Pascoal. Já Isaura relembra que apenas baixou a cabeça e que começou a chorar: "Pesnei: 'Ai no que é que eu me meti'. Mas foi espetacular. O facto de ter sido renhido até ao fim - podia ter acontecido qualquer coisa, tínhamos vária canções bonitas. O ambiente entre concorrentes (pode parecer um bocado cliché, mas é verdade), os interpretes e os compositores era ótimo. As pessoas estavam ali por uma causa, para dar um contributo à música em Portugal e para encontrar uma canção que nos representasse. E esse era o espírito. Talvez até existisse competição nas redes sociais, coisas do género, mas ali não havia", lembra a compositora.
Como é que nasceu 'O Jardim'?
Tal como aconteceu na edição de 2017, este ano a RTP voltou a desafiar vários compositores para escreverem temas para o Festival da Canção, com vista a representar Portugal no Festival Eurovisão da Canção - além de Isaura, o canal convidou Aline Frazão, Armando Teixeira, Benjamim, Bruno Cardoso, Capicua, Diogo Clemente, Diogo Piçarra, Francisco Rebelo, Fernando Tordo, João Afonso, Jorge Palma, José Cid, JP Simões, Júlio Resende, Mallu Magalhães, Miguel Ângelo, Minta, Nuno Rafael, Paulo Flores, Paulo Praça, Tito Paris, Janeiro, Daniela Onis, Peter Serrado e Rita Dias.
Isaura lembra que foi convidada no verão para participar no concurso. "Recebi o convite em agosto de 2017 para participar no Festival da Canção. Foi o Henrique Amaro que foi falar com o Miguel, o meu manager. E o Miguel disse-me: 'olha, o Henrique acabou de me ligar para seres compositora do Festival da Canção'. E eu aceitei logo, quis logo fazer. Disse logo: 'Miguel, quero mesmo muito fazer isso'. Para mim, a parte da composição, de escrever uma canção, de compor uma canção, está intimamente ligada com cantar seja o que for. E vi instantaneamente uma oportunidade de fazer algo. Não foi imediatamente instantâneo que ia fazer em português, mas começou a fazer sentido na minha cabeça. E, pronto, aceitei. Depois, começou a vir a pressão, o que é que vou fazer depois da Luísa e do Salvador. 'Ah, meu Deus'", recorda Isaura.
"Nunca vou fazer uma coisa como a Luísa e o Salvador fizeram"
"Comecei a entrar em pânico, mas depois houve um momento de click na minha cabeça em que pensei, 'ok, nunca vou fazer uma coisa como a Luísa e o Salvador fizeram'. Aquilo é único. O cosmos alinhou-se para nós termos um resultado incrível com eles. Meti isso de parte e não pensei mais nisso. Quis dar o meu melhor e fazer uma canção em que acredite, de que me orgulho e que acho que é a minha visão do que poderá ter espaço no festival. Pronto, depois compôs uma canção. E ainda não era isto. Depois compôs mais duas, o 'Jardim' e outra canção. Fiz 'O Jardim' e pensei 'nunca vou dar isto a ninguém porque esta canção tem o meu coração e tem tudo lá dentro'. Mas gostava da segunda, eram as duas sobre a mesma coisa, 'O Jardim' e a outra, que é 'Onde Estás?', e convidei a Cláudia para cantar o 'Onde Estás?' já em desespero", conta.
A procura de uma voz para o tema foi um dos grandes desafios de Isaura, por ser uma canção tão pessoal, sobre a sua avó que faleceu no ano passado. "Imaginava uma voz quente, uma voz com carisma. Ambas as canções eram muito despidas, que é o que eu gosto de fazer. Portanto, tinha de ser uma pessoa com uma voz muito forte, com um carisma forte, com personalidade e que pudesse aguentar uma canção assim", explica ao SAPO Mag.
"Se eu não encontrasse a Cláudia, teria sido eu a cantar"
"Se eu não encontrasse a Cláudia, teria sido eu a cantar. Era isso que eu estava a sentir. Não estava a conseguir encontrar a pessoa certa para cantar a canção. E a minha prima, já quase nos últimos dias, mostrou-me um vídeo da Cláudia a cantar e aquilo para mim fez logo sentido e pensei: 'ok, é esta a voz, é esta forma de estar e é isto que imagino'. Mandei uma mensagem no Facebook à Cláudia", recorda Isaura, chutando o resto da história para Cláudia Pascoal.
"Então, recebi uma mensagem no Facebook - tu até mandaste para minha página oficial, não é? Eu na altura não tinha muitas mensagens na minha página oficial, não sei se sabias disso. Então, é daquelas notificações que fica presente no teu telemóvel e dizia que tinha uma mensagem da Isaura. Lembro-me de pensar mesmo, 'se fosse a Isaura, Isaura é que era bem esgalhadinho'. Bem, abri e só dizia 'olá, daqui Isaura e não sei o quê e gostava de conversar contigo'. Sem mais nada. Sem nenhuma promessa, sem nada sobre o Festival. Mas eu atirei-me logo para chão e gritei: 'mãe, vou ao Festival da Canção'. E podia ser só para dizer 'olá, gosto bué de ti'. Mas não, pensei logo no Festival. É aquela energia imediata. Tipo isto vai acontecer. E a minha mãe: 'a sério? Mostra, mostra... oh, filha. Não vai acontecer, estás a inventar bué'. E eu não, estou a sentir que é isso e tal. Depois falámos e ela mandou-me a canção para ver se me identificava. Assim numa de experimentar", relembra Cláudia Pascoal.
"Sim, foi sempre numa de experimentar", completa a jovem compositora. "Para mim a música não é só a voz, é a pessoa e os sentimos. Imagina que eu conhecia a Cláudia e achava que ela era uma pessoa odiável. Como é que eu iria trabalhar com ela? Ou seja, para mim, a música tem muito a ver com se a pessoa é gentil. Imagina: agora não estava aqui a conversar contigo sem ter a certeza que a Cláudia ia ser querida para ti, que ia ser educada e que ia saber explicar às pessoas em que é que consiste aquilo em que acredito. Portanto, tinha de conhecer essa parte e, por isso, não prometi logo à Cláudia", explica.
O primeiro encontro cara a cara aconteceu em Lisboa, num dia de chuva. E foi sintonia à primeira vista. "Encontrei-me com a Isaura em Lisboa, ela foi-me buscar. Estava a chover torrencialmente. Vim de autocarro. Lembro-me perfeitamente de entrar a correr dentro do carro e 'ei, chocolates... dá-me um'. E ela ficou a olhar para mim", recorda Cláudia Pascoal.
"Conhecemo-nos em cinco segundos, ela pediu-me um chocolate e pensei: 'ok, se calhar ela vai cantar a música do Festival da Canção'", graceja Isaura.
Depois começou o trabalho para o Festival da Canção, mas com outro tema, o "Onde Estás?". "Gravamos a outra música e felizmente a Isaura teve a boa vontade de me mostrar 'O Jardim'", recorda a jovem cantora de Gondomar.
"Sentia mesmo que não conseguia dar esta canção a ninguém. Foi um processo. Nunca tinha feito uma canção para outra pessoa. Gostava muito de fazer isso mais vezes no futuro e que seja uma coisa que eu comece fazer. Mas esta foi a primeira vez. Isto de escreveres uma história - ainda por cima, esta história é tão minha- e dares a outra pessoa é como, de repente, te levassem um bocadinho de ti. Então, levei um bocadinho a perceber isso", explica Isaura.
Eurovisão à vista
Desde a vitória no Festival da Canção, a 5 de março, em Guimarães, Cláudia Pascoal e Isaura têm-se dedicado totalmente à Eurovisão. "É muito trabalho, houve muita coisa a decidir, a imaginar. Logo depois da final do Festival Canção tive de entregar a versão final da canção", recorda a compositora.
"O nosso trabalho não é só chegar lá e cantar. O nosso trabalho foram estes dois meses", frisa Isaura.
Para Cláudia Pascoal, na edição deste ano do Festival Eurovisão da Canção sente-se o factor Salvador Sobral, que venceu o concurso em 2017. "Sinto que nesta Eurovisão há vários estilos diferentes. É engraçado como o Salvador conseguiu mudar qualquer coisinha e não só no nosso país, mas também nos outros países", defende a cantora.
"No ano passado, foi como se fosse a seleção nacional. Nos últimos anos não vi por questões de gosto pessoal, não sentia aquela ligação com o Festival. Mas há vários anos, o Festival fazia parte da cultura, fazia parte da rotina. Sabíamos que existia o Festival e toda a gente parava para ver. Nem se ponderava mudar de canal. Lembro-me de lá em casa ficarmos a jantar e a ver, e a jantar e a ver", recorda Isaura.
Cláudia Pascoal confessa também que sempre acompanhou a Eurovisão. "Sempre assisti muito de perto ao Festival da Canção e à Eurovisão. Sempre gostei, mesmo. Mas alguns anos, Portugal foi representado de uma forma em que eu pensava 'a sério? então, vamos lá dar o nosso máximo'. Mas, claro, apoiava sempre Portugal. Sinto que houve um intervalo que perdeu intensidade, Portugal não vivia tão intensamente a Eurovisão", defende.
E depois da Eurovisão?
A final do Festival Eurovisão da Canção é este sábado, mas a dupla já tem planos para depois - Isaura está a preparar um novo disco e Cláudia Pascoal espera lançar um single original.
Devido à agenda preenchida com eventos relacionados com a Eurovisão, Isaura e a sua equipa decidiram adiar o lançamento "Human", o primeiro disco de originais da cantora, para junho. "Para estar completamente concentrada no Festival, o meu álbum ia sair em abril e eu e as pessoas que trabalham comigo decidimos passar o álbum para junho porque queremos mesmo dar o melhor em tudo o que tenha a ver com a Eurovisão", explicou a artista.
"Estou mesmo orgulhosa, dediquei-me a este álbum e estou praticamente dedicada a ele há dois anos. E mais bocadinhos da história de 'O Jardim' vão estar no álbum, está tudo ligado. Portanto, as pessoas vão perceber melhor 'O Jardim' ao ouvir o álbum. Vai fazer tudo sentido. É a mesma história, sou eu", avança Isaura, acrescentando que o disco vai ter um lado A e um lado B: "Escrevi muito sobre a gestão do tempo e fiz esse lado. E porque a vida é assim, a minha avó ficou doente e acabou por ir embora muito rápido, num espaço de um mês e isso mexeu muito comigo. Porque ela era, possivelmente, a minha melhor amiga. E, portanto, passei a fazer canções sobre isso. E pensei: 'agora não posso mentir, agora tenho um álbum que não é tempo'. Então, dividi em dois lados".
Cláudia Pascoal confessa também que tem planos para o futuro. "Estou muito entusiasmada em fazer música, mais do que nunca. Quero muito lançar um single este ano e acho que vai ser possível", conta.
"Já estou a batalhar nisto há muito tempo, muitas noites a dormir na rua para fazer castings, que é uma cena maravilhosa da televisão. Dormi umas três vezes na rua. Muita espera, muita chuva, muitos nãos, principalmente. Sinto que agora está ser recompensado esse esforço todo e sinto-me contente pelos meus amigos estarem tão contentes por mim. Finalmente, essas pessoas que estiveram comigo a dormir na rua, horas e horas de espera, estão a ver que os meus sonhos estão a ser concretizados e está a ser muito bom ver que tenho família e amigos que acompanharam tudo isto desde os meus 15 anos até agora - este ano 25 anos. Estou super contente com os resultados que tenho tido na minha vida e fico agradecida por toda a gente que acreditou em mim", frisa.
"Sei, de uma forma ou de outra, que a Isaura vai estar sempre envolvida na minha vida. Ficámos amigas. Ela ajudou-me imenso e considero-a um bocadinho a minha madrinha musical", acrescenta Cláudia Pascoal.
A 63ª edição do Festival Eurovisão da Canção vai realizar-se no Parque das Nações, espaço que incluiu várias infraestruturas e onde se insere a Altice Arena, em Lisboa, a 8, 10 (semifinais) e 12 (final) de maio de 2018.
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