Em 2004, tive a sorte de assistir ao concerto que Madonna deu no então Pavilhão Atlântico, em Lisboa, para promover o álbum “American Life”, num fosso em pleno palco, a escassos centímetros da artista. Vibrei como em nenhum outro até então. No Coliseu dos Recreios, 15 anos depois, a cantora apresentou-se igual a ela própria, como sempre, mas a Madonna de hoje é uma Madonna diferente e o que perdeu em tecnologia e espetacularidade em palco ganhou em maturidade e em qualidade musical.
A digressão promocional do disco “Madame X” é um espetáculo imperdível e memorável que volta a aliar a música à dança como só a intérprete sabe fazer. O meu momento preferido do show é a interpretação de “American Life”, uma das minhas canções favoritas de Madonna. À medida que se vai insurgindo contra as contrariedades da vida moderna, chovem do teto peças de roupa que se amontoam sobre uma cama onde jaz um soldado. A última a cair é uma bandeira norte-americana.
Muitos dos que já assistiram à digressão têm-se queixado da falta de êxitos antigos, apenas representados na íntegra pelos singles “Human Nature”, “Vogue”, “American Life”, “La Isla Bonita”, “Frozen” e “Like a Prayer”, apesar de também se ouvirem excertos de “Express Yourself”, “Papa Don’t Preach” e “Rescue Me”. Mas a verdade é que Madonna está fascinada pelas sonoridades portuguesas e africanas que (re)descobriu em Lisboa e, na realidade, são essas canções que mais brilham nesta digressão.
Duas das minhas preferidas do novo disco, “Crazy” e “Extreme Occident”, soam ainda melhor na casa de fados que a artista recriou em palco e onde mostra que, apesar da (má) pronúncia, não só tem alma de fadista como consegue, efetivamente, cantar fado. Mais próxima do público neste novo modelo, Madonna revela-se também mais confessional, tecendo elogios às praias da Comporta, ao vinho do Porto e ao fiel amigo dos portugueses, o bacalhau, que não se cansou de enaltecer em palco em Lisboa.
Portugal fez bem a Madonna e a artista soube aproveitar o que por cá descobriu para uma nova reinvenção. A lesão na anca que lhe afeta o movimento dos membros inferiores condicionou a atuação da artista, que se viu obrigada a trocar os sapatos de salto alto por umas botas rasas que não se cansou de criticar por diversas vezes durante o período do espetáculo em que as usou. A intérprete de “Medellín” nunca deixou de dançar mas, em vários momentos, defendeu-se e chegou mesmo a coxear pontualmente.
Aos 61 anos, apesar de continuar a encher salas de espetáculo em todo o mundo, Madonna encontra-se, paradoxalmente, numa das fases mais difíceis da sua carreira. Continua a querer fazer o que sempre fez e a apresentar-se com a ousadia e com a provocação que sempre a caracterizaram, como se tem comprovado na atual digressão, apesar de serem muitos os que (já) a consideram demasiado velha para se esfregar nos bailarinos que a acompanham em palco e para exibir o corpo com rendas e transparências.
Não faço a mínima ideia do que é que Madonna fará a seguir em termos musicais mas repetir a sonoridade e a estética da portugalidade e da lusofonia não me parece uma grande probabilidade. E é por isso que a digressão de promoção de “Madame X” a torna tão especial e tão única. Apesar de ser um espetáculo que segue um guião, a artista pareceu-me mais descontraída e dada ao improviso, apesar de nunca baixar as guardas nem descurar o profissionalismo e a exigência que sempre a caracterizaram.
Ao contrário das outras tournées que vi dela, as canções não se sucedem a uma velocidade galopante nesta digressão. Madonna está mais calma e o espetáculo acaba por numa altura ou noutra perder algum ritmo. Não que isso o torne pior mas quem sempre se habituou a uma cadência que a artista norte-americana sempre imprimiu nas atuações ao vivo estranha. Eu, num momento ou noutro, senti falta dessa aceleração mas a verdade é que, se pudesse, via todos os espetáculos que ainda faltam…
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