"O palco é o meu escritório", respondeu Kley Tarcitano antes de dividir um pouco sobre o início da sua trajetória. Nascido em Santana, zona norte da capital paulista, o cenógrafo (que aos 37 anos é um dos diretores criativos mais requisitados da sua área) disse que o espetáculo sempre esteve em sua mente.

"Lembro-me que aos seis anos pedi para a minha mãe cortar uma caixa de papelão para fazer um palco. Olhava para aquilo e já imaginava todo um cenário. Era algo que estava dentro de mim, mesmo não tendo ninguém da minha família a trabalhar nessa área", revela.

Ao recordar as suas primeiras inspirações, Kley Tarcitano disse que ficava sempre ‘maluco’ quando olhava para uma estrutura de um palco. De fã do palhaço Bozo aos comerciais de TV dos anos 1990, o artista sabe que foi a televisão que o ajudou a perceber o que já existia dentro de si.

"Lembram-se do 'Holiday on Ice' que passava na TV nos anos 1990? Olhava para essas produções e achava a coisa mais incrível do mundo. Conseguia-me ver a criar tudo aquilo de alguma forma”, explica Tarcitano, que acaba de ter a sua direção criativa elogiada e reconhecida mundialmente com o debut grandioso de Anitta no festival californiano Coachella.

À conversa com Kley Tarcitano, diretor criativo de Anitta e Jennifer Lopez:

"A gente fala português e eu sinto-me em casa com a Anitta. Não te sei explicar. Eu sinto-me confortável com todo mundo, mas com ela estou em casa. E isso é muito bonito, eu gosto muito. Falar sobre a cultura brasileira, sobre o meu país e estar a trabalhar com pessoas da equipa brasileira que ela tem é muito bom", contou.

Ao contar como começou a sua parceria com outra estrela, Jennifer Lopez, Kley fez questão de dizer que tudo que JLO faz hoje é produzido por ele. "Nos últimos quatro anos, toda a vez que  a viste no palco foi com o meu design. Quando ela faz alguns clipes, também me envolvo. Até alguns dos anúncios dela", revela.

O brasileiro que atualmente vive entre Los Angeles e Miami, também já trabalhou com outros gigantes da música, como Britney Spears, J Balvin e Maluma. Foi ainda premiado com o Live Design Achievement Awards, pela produção da performance de Jennifer Lopez no iHeart Musical Festival, e o Telly Awards com a sua assinatura criativa para os Grammys Latinos.

"Todos os prémios latinos, era eu que fazia. Quando comecei a ficar conhecido nesse mercado, chamaram-me para criar um clipe para a JLO. Lembro-me que tinha acabado ser operado ao joelho e disse ao meu agente na época que precisava de ficar parado por um mês. Duas semanas depois da cirurgia, recebi uma ligação de uma das pessoas que trabalhavam nos Grammys Latinos dizendo que um diretor estava a precisar de alguém para desenhar o clipe da JLO. Por isso, digo que nós temos que agir com o coração. Quando começas a agir com a cabeça, dá problema. A cabeça é o teu inimigo. Nunca haja com a cabeça, sempre com o coração. E aí a minha cabeça falava assim: 'Não vai, precisas de descansar. Acabaste de ser operado. E o meu coração dizia: vai, vai! Aí eu escutei o meu coração e fui para Los Angeles'", complementa.

Sempre muito grato por todas as pessoas que o ajudaram, Kley falou com muito carinho do empresário Benny Medina. "Foi uma coisa muito de ‘química’, sabes? A gente olhou e se gostou. Lembra-se daquela série ‘O Príncipe de Bel-Air’? Aquela história é dele, e não do Will Smith. Na época, ele era empresário do Will, que estava com uma dívida gigantesca de 100 mil dólares. E foi aí que o Benny contratou o Smith para interpretá-lo. O Medina também revelou outros grandes nomes, como Mariah Carey, Usher, Puff Daddy e vários outros", remata.

Segundo o diretor criativo, a única diferença na hora de realizar trabalhos com artistas internacionais é mesmo o idioma, devido a uma questão cultural. "Por exemplo, a Anitta é muito parecida com a Jennifer Lopez em várias coisas. Elas têm uma ‘mente business’, querem saber de tudo, desde o cenário até o sapato da bailarina", explica.

Encantado com Lisboa, essa é a primeira vez que Kley Tarcitano vem a Portugal. "Que cidade linda, não é? Fiquei impressionado! Ontem, enquanto andava pelas ruas, pensei o quanto este lugar é bonito e como as pessoas foram alegres comigo. Elas olham para ti, notam-te. Fiquei a conversar uns 20 minutos com a vendedora em uma loja na Avenida da Liberdade", contou aos risos (lembrando ainda do receio que tinha a respeito do seu sotaque do Brasil). "E que nada, né?! Eles entendem tudo do Brasil! Eu estou a adorar estar aqui e não vejo a hora de ver esse espetáculo de domingo acontecer para comemorarmos muito. Aqui (em Portugal) a gente respira arte!", reforça.

Mesmo desenvolvendo a sua carreira nos EUA, país onde vive desde os 19 anos, Kley Tarcitano também teve alguns trabalhos importantes no Brasil. “Fiz muitas coisas com a Lilian Gonçalves, a rainha da noite paulistana. Eu produzia os espetáculo com ela. Inclusive, o último da Dercy Gonçalves foi eu que fiz junto com a Lilian", recorda com ternura.

Sobre a falta de políticas públicas que fortaleçam a arte e a cultura no Brasil, Kley Tarcitano acredita que falta mais investimento na educação, já que ele próprio nunca teve acesso ao estudo artístico na escola e que o incentivo veio de casa. "Isso é uma coisa minha, eu consegui, mas tem muita gente que não consegue… Porque é necessário um estímulo. Nós temos que estimular as crianças a quererem isso para que elas se possam desenvolver. Gostaria de poder ter uma escola de arte gratuita, com muita, muita técnica e bastante cultura! Eu sei que já existem algumas, mas poderiam existir mais, como na região do nordeste, por exemplo. Porque as oportunidades ficam mais com quem vive em São Paulo ou no Rio. Gente do norte, do sul e aqueles que não têm acesso a uma grande cidade necessitam desse tipo de espaço. Existem talentos e génios escondidos em todos os cantos e eles precisam ser descobertos. Acredito muito nisso", finaliza.