Pouco depois das 21h30 entravam quatro homens, vestidos de preto, no palco da Sala 2 da Casa da Música, no Porto.Cada músico segurava no seu instrumento, preparando-se para começar uma viagem pelo mundo do jazz.Um saxofone, um violoncelo , um violão e uma bateria esperavam pela musa, que os iria guiar ao som da sua voz.

O olhar do público focou-se por pouco tempo na imagem dos músicos, pois, logo de seguida, entrou em palco uma figura esbelta, coberta por um vestido cor-de-rosa, a cair sobre o corpo. Pé ante pé, equilibrando-se em saltos de agulha e apoiando-se numa bengala, Melody Gardot ofuscava o olhar do público com a sua beleza e voluptuosidade. Sem demoras ou apresentações, a artista sentou-se ao piano para começar a tocar The Rain, tema do seu mais recente álbum, "My One and Only Thrill", editado em 2009.

Envoltos num nevoeiro de fumo, Melody Gardot e seus músicos agarraram, desde logo, o público. As palmas dos mais entusiastas começaram a sentir-se no segundo tema tocado, Your Heart Is As Black As Night. Só depois desta canção é que a artista norte-americana comprimentou o público ao dizer "buona sera", dizendo, após o erro propositado, que tinha de treinar o seu português. Captar o que a cantora dizia revelou-se uma tarefa difícil, mesmo para os mais entendidos na língua inglesa, uma vez que falava de uma forma muito rápida e fluída, numa voz voz quase sussurada, ao estilo de Janis Joplin, artista à qual vai beber inspiração.

O espectáculo não se construiu apenas a partir do repertório de músicas da artista. Melody Gardot revisitou temas célebres, não só do jazz, mas também do rock n’ roll, como You Really Got Me, música lançada pelos The Kinks em 1964, e A Love Supreme, ambas encadeadas num medley, onde um dos músicos chegou a tocar, a solo, dois saxofones, em simultâneo.

Ao longo do concerto, desencadeou-se uma jam session, onde cada músico pôde mostrar o seu melhor. A cantora não poupou elogios à sua banda de suporte e não desperdiçou nenhuma oportunidade de voltar as atenções para qualquer um dos quatro "gentlemans" que a acompanhavam. Apesar da voz melodiosa, quase hipnotizante, e dos seus dedos de pianista, Melody Gardot tem a noção de que os seus acompanhantes contribuem muito para o seu sucesso.

De uma maneira muito própria, a artista foi contactando com o público ao longo do concerto. Ao introduzir o tema Les Étoiles, cantado em francês, a intérprete personificou uma hospedeira de voo, ao dar as indicações de segurança aos seus passageiros, neste caso o público, que se preparava para voar até Paris.

Antes de Baby I’m a Fool, a artista discursa àcerca da importância de se estar apaixonado, afirmando que independentemente do que aconteça ou do tempo que a relação dure recebemos sempre algo em troca, "nem que seja um caixote com as nossas coisas", segundo explicou.

Deep Within The Corners of My Mind, foi das músicas mais aplaudidas, no entanto, não chegou perto de If The Stars Where Mine, que, segundo a reacção do público, é a música preferida da maioria dos fãs da artista.

A certa altura do concerto, Melody Gardot sentou-se ao lado do piano, com uma guitarra em cima dos joelhos, e pôs o público a cantarolar a palavra "olá". Começou a dedilhar as cordas da guitarra e partiu para o tema Who Will Confort Me. Uma música mais tarde, chegou a hora da despedida. Os músicos retiraram-se de palco, mas o público aplaudiu em pé até o regresso da banda. O violão, a bateria e o violoncelo regressaram. Seguiu-se Melody Gardot, lado a lado com o saxofonista.

Antes do adeus definitivo, houve ainda tempo para recordar outros temas famosos da música jazz, encadeados num medley, como já havia sido feito no ínicio do concerto. A cantorapôs o público a estalar os dedoscom Fever, canção escrita e cantada em primeira-mão por Peggy Lee, em 1956. Seguiu-se Summertime, música originalmente composta por George Gershwin, para a ópera "Porgy an Bess", de 1935.

Quando os músicos já se encaminhavam para a saída, a artista chamou de volta o violoncelista para tocarem uma última música. O concerto não podia acabar sem a versão de Over The Rainbow, música originalmente cantada por Judy Garland no filme "O Feiticeiro de Oz", em 1939.

Foi com o violoncelo a servir de guitarra e com a cantora a tocar caixa (bateria) com vassourinhas (baquetas que se assemelham a vassouras pequenas), que o espectáculo terminou.

Melody Gardot partiu, a sala esvaziou-se, mas na lembrança ficou a imagem elegante, a voz sedutora e música de qualidade com que a artista presenteou o seu público. Uma melodia que nos seduziu e encantou, numa noite mais requintada que as outras.

Confere aqui o alinhamento do concerto de Melody Gardot na Casa da Música:

The Rain
Your Heart Is As Black As Night
You Really Got Me
A Love Supreme
Les Étoiles
Baby I’m a Fool
If The Stars Where Mine
Deep Within The Corners of My Mind
Love Me Like a River Does
My One And Only Thrill
Who Will Confort Me
Our Love is Easy
Encore:
Lover Undercover
Fever
Summertime
Over The Rainbow


Melanie Antunes

Fotografias: Paulo Costa