Entrámos na sala do Caís do Sodré ao som do disco “Pain is Beauty”, de Chelsea Wolfe, escolha que não é descabida tendo em conta os dois registos nos quais Thomas Jefferson Cowgill, conhecido como King Dude nestas lides, colaborou com a artista norte-americana. O cenário de palco, com três cruzes brancas projetadas no fundo preto e três velas adornando uma mesa de apoio, também já deixava no ar a atmosfera propícia para as canções deste lobo solitário devoto a Lucifer.

De facto, ainda que King Dude vá buscar muito a trovadores como Johnny Cash e Nick Cave, este pode, em certa forma, ser considerado uma antítese do próprio “Homem de Negro”, mesmo envergando a mesma cor nas roupas, já que o primeiro era cristão e cantava sobre Deus de uma forma por vezes amargurada, e King Dude abraça o oculto e o diabo na sua vida e nas suas canções, sendo que muitas delas são até vívidas.

Comparações à parte, o que é certo é que ambos os homens de negro têm a capacidade de nos fazer viajar na guitarra e na voz, com composições fortemente vincadas e ligadas às suas origens, à América. Por momentos, deixámos Lisboa e, naquela noite, o norte-americano fez do Musicbox a sua sala, aceitando pedidos para o serão e lançando desde logo a advertência de que não existia um alinhamento programado.

Pousando o copo de whisky na mesa, junto das velas, e pegando na guitarra acústica, começou a interpretar temas dos seus já quatro discos. Na voz cavernosa de TJ Cowgill ouvimos músicas como “Jesus in the Courtyard” ou a mais recente “Maria”. Já em “Lucifer’s the light of the world”, King Dude pediu e teve um coro de peso para fazer justiça a esta que é uma das suas mais marcantes canções. Na memória ficou também a interpretação emotiva e sentida de “Lord I’m Coming Home”, dedicada a um amigo que partira nesse mesmo dia.

Já “Barbara Anne” surgiu como um dos “pedidos”, numa altura em que a familiaridade de TJ com o público já se estendia a trocas de cigarros de mentol, que prendia no braço da guitarra ou segurava no canto da boca durante as interpretações ao piano. Sempre muito comunicativo, interpretou também “Vision in black”, conforme requisitado, confessando entre risos que também era “uma que adorava”.

Desfazendo-se em elogios à cidade de Lisboa, uma novidade no seu mapa de digressões, ainda voltou para um encore de mais duas músicas: “Lay down in Bedlam” e “Watching Over You”, do mais recente “Fear”. No final, agradeceu por “se ter sentido em casa”, deixando para trás um público que, efusivo, pedia ainda mais uma subida ao palco, que, desta feita, já não aconteceu.

Texto: Rita Bernardo

Fotografias: Nuno Bernardo