Onze anos depois, a saga expande-se finalmente no grande ecrã: "Do Mundo de John Wick: Ballerina" chega aos cinemas esta semana.

O filme decorre entre os acontecimentos de "John Wick 3: Implacável" (2019) e "John Wick: Capítulo 4" (2023), acompanhando Eve Macarro, uma bailarina treinada pelos Ruska Roma para se tornar assassina e descobrir segredos do passado da sua família.

Este é o grande papel de Ana de Armas, a atriz cubana finalmente como a protagonista de um filme de ação após ter impressionado numa demasiado breve participação ao lado de Daniel Craig em "007: Sem Tempo Para Morrer" (2021).

E este é mesmo o universo "John Wick": a acompanhá-la estão Keanu Reeves, num regresso como o assassino profissional longe de ser apenas "simbólico", Ian McShane como Winston Scott, o gerente do Hotel Continental Hotel, o santuário dos assassinos, e Lance Reddick como o rececionista Charon, no último papel no cinema antes de morrer inesperadamente em março de 2023, algumas semanas após o fim da rodagem.

Do terceiro filme regressa Anjelica Huston e as novidades no elenco são Norman Reedus, Choi Soo-young, Catalina Sandino Moreno e Gabriel Byrne.

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A existência de "Ballerina" é incrível se olharmos para as origens modestas da mitologia que nasceu em 2014: tudo começou com um assassino reformado forçado a regressar ao ativo após mafiosos lhe roubarem o carro e matarem o cachorro que a falecida esposa lhe dera de presente.

"John Wick" (2014)

Com a sua história e execução muito "série B", "John Wick" não teve um grande orçamento pelos padrões habituais de Hollywood (18 milhões de dólares). A estrutura era tão precária que, quando um investidor falhou, foi salvo pelo dinheiro de Eva Longoria a 24 horas de fechar as portas antes da rodagem em outubro de 2013.

Mesmo com o filme pronto, ainda não existia um acordo para a sua distribuição nos EUA. Ninguém em Hollywood estava interessado na estreia como realizadores dos antigos duplos Chad Stahelski e David Leitch com um protagonista, Keanu Reeves, longe dos tempos de "Ruptura Explosiva", "Speed" e, claro, a saga "Matrix": vindo de vários grandes fracassos de bilheteira, a carreira estava numa trajetória descendente e a caminho dos filmes lançados diretamente em vídeo.

Era esse o destino que parecia estar reservado precisamente a "John Wick" mesmo depois de conseguir um acordo com a Lionsgate Films, a única distribuidora que se mostrou interessada. Mas também houve quem lhe encontrasse potencial e finalmente foi definida uma data de estreia nos cinemas: 24 de outubro de 2014, deixando apenas dois meses para montar uma campanha de promoção que passou por festivais e sessões gratuitas de pré-estreia para ganhar visibilidade.

As boas críticas a destacar o regresso de Keanu Reeves à melhor forma no cinema de ação ajudaram e a estreia nos cinemas foi uma boa surpresa: 14 milhões de dólares nas bilheteiras da América do Norte, um segundo lugar atrás do filme de terror " Ouija". Quando saiu dos cinemas, tinha arrecadado uns respeitáveis 43 milhões no mercado doméstico, e 86 milhões a nível mundial.

Praticamente um clássico instantâneo do cinema de ação, o balanço era de sucesso, principalmente no estrangeiro, mas ser o 89.º filme mais rentável de 2014 não é exatamente um bom argumento para dar luz verde a uma sequela.

De facto, o fenómeno e culto à volta de "John Wick" nasceu a seguir, no mercado de vídeo, a tal ponto que, quando "John Wick 2" chegou aos cinemas em fevereiro de 2017, os novos fãs ajudaram a elevar a estreia americana para os 30,4 milhões de dólares e terminar nos 92 milhões, para um total global nas bilheteiras de 174,3 milhões.

Um universo "John Wick"

"John Wick: Capítulo 4"

A carreira de Keanu Reeves estava relançada e fortaleceu-se a vontade de avançar para uma saga formada por sequelas e filmes e séries inspirados no mesmo universo.

Em maio de 2019, "John Wick 3: Implacável" chegou ainda mais longe, começando com 56,8 milhões antes de alcançar os 171 milhões nos EUA e Canadá e 328 milhões a nível mundial. E o mais recente "John Wick: Capítulo 4" superou as previsões, começando nos 73,8 milhões no mercado doméstico em março de 2023 e terminando nos 187,1, para um total global de 447,3.

Sempre com excelentes críticas, a saga tornou-se uma das joias da Lionsgate, que promoveu aos quatro ventos que apenas nove sagas nos últimos 40 anos conseguiram recordes de bilheteira ao quarto filme e dessas nove, apenas cinco viram cada filme subir nas bilheteiras em relação ao anterior (ou seja, o quarto filme teve mais sucesso do que o terceiro, o terceiro mais do que o segundo e o segundo mais do que o primeiro).

Em setembro de 2023 houve uma primeira expansão da saga, a minissérie com três episódios "The Continental: From the World of John Wick", na Amazon Prime Video. No centro dos acontecimentos estava uma versão mais jovem de Winston Scott (Ian McShane nos filmes, Colin Woodell no pequeno ecrã) e alguns assassinos no hotel que lhes serve de santuário em 1975, 40 anos antes dos filmes.

"Do Mundo de John Wick: Ballerina"

Após mais de mil milhões de dólares conquistados nas bilheteiras dos cinemas, agora o teste é mesmo "Ballerina", realizado por Len Wiseman (da saga "Underworld" e "Die Hard: Viver ou Morrer") e com a influência de Chad Stahelski, que dirigiu os quatro filmes e assinou um acordo com a Lionsgate para ser o arquiteto no controlo da supervisão deste universo.

Protagonizado por Ana de Armas, assumidamente escolhida pelas qualidades demonstradas em "Knives Out" (2019) e "007: Sem Tempo para Morrer" (2021), o filme dá um novo rosto e reinterpreta elementos característicos da saga, das perseguições de alto nível às coreografias de luta complexas e ao arsenal de armas (patins de gelo, espadas katanas, machados de gelo e até lança-chamas), em cenários nunca antes vistos.

Ao contrário dos quatro filmes com estilos distintos e focados na apresentação de mundos (ou melhor, submundos) em Nova Iorque, Roma, Marrocos, Japão ou Paris, agora tudo se passa na austeridade da Europa de Leste, nunca antes explorada na saga... e coberta de neve (a rodagem foi em Praga e noutras cidades da República Checa, passando por Hallstatt, na Áustria, e sequências adicionais filmadas em Budapeste, na Hungria).

"Do Mundo de John Wick: Ballerina"

A história centra-se numa personagem que fez uma rápida aparição em "John Wick 3: Implacável" como uma bailarina que treinava ao mesmo tempo para ser uma assassina e se quer vingar das pessoas que mataram a sua família, o acontecimento que a enviou para a Ruska Roma, a instituição obscura que usa a sua rigorosa formação em ballet para mascarar o seu verdadeiro currículo: assassinatos por encomenda.

“Uma das coisas que realmente gostei no argumento de 'Ballerina' é que, de certa forma, é o oposto da história de John Wick. Ele está a tentar sair da vida de assassino; Eve está a querer entrar — ela quer ser uma assassina. Estava interessado em explorar as circunstâncias em que alguém escolhe essa vida”, destaca o realizador.

"Do Mundo de John Wick: Ballerina"

A aventura épica e cheia de adrenalina exigiu muito a Ana de Armas.

"Temos estado em Praga [República Checa] a filmar há quatro meses. Ainda temos um mês pela frente. E estou com dores. O meu corpo, as minhas costas, tudo dói. Estou a queixar-me, estou dolorida, machucada", dizia a atriz em janeiro de 2023 no programa "The Tonight Show Starring Jimmy Fallon".

Apesar da experiência nas cenas de ação e duplos graças a "007: Sem Tempo Para Morrer", acrescentava que "Ballerina" estava num "outro nível" e mostrou-se grata por ter ao seu lado Keanu Reeves.

"Bond foram 15 minutos. Aqui é um filme inteiro, é outro nível. Mas noutro dia, o Keanu e eu estávamos a ensaiar a nossa muito difícil cena de luta, e este homem estava a rebolar, a atirar-me e a fazer acrobacias malucas. E eu fiquei tipo – 'Não posso voltar a queixar-me porque ele está a fazer isto. Ele realmente é o melhor!", elogiou.

A parte física também serviu para descobrir a personagem: nada como treinar para lutar para entrar na mentalidade de uma assassina profissional.

"O processo também me ajudou a entender a evolução de Eve, como melhorar e ganhar confiança", refletiu a atriz.

Este empenho que não passou despercebido e foi elogiado pelo realizador.

“Havia uma espécie de fogo na Ana que queria conhecer e com o qual queria trabalhar. No início, disse-lhe que, como Eve estava apenas a começar a sua jornada como assassina, a personagem, às vezes, levava tareias. A resposta da Ana foi: ‘Ótimo. Contem comigo’. Durante a produção, ela mostrava-me os hematomas causados ​​pela ação e as acrobacias, e tornaram-se como medalhas de mérito”, recorda.

E acrescenta: “Ela é perfeita para o papel em muitos aspetos. O que adoro nesta saga é que a ação se baseia mais nos atores, portanto vemo-los a fazer mais da sua performance e coreografia. E ela estava disponível para isso.”

"Do Mundo de John Wick: Ballerina"

Admiradora dos filmes "John Wick", era importante para a atriz que a história de "Ballerina" valesse por si.

"Queríamos que a Eve fosse acessível e realista. Ela teve uma infância muito traumática que mudou a sua perspectiva sobre a vida", explica.

Com uma mulher no centro da ação pela primeira vez, a equipa também abraçou com entusiasmo o desafio de criar uma nova realidade física, com coreografias originais e únicas para as lutas: em vez de dominar pela força bruta, Eve é criativa e usa tudo o que tem à mão contra os adversários, dos já referidos patins de gelo às espadas, granadas e o lança-chamas popularizado nos trailers, mas também panelas e frigideiras.

De Armas descreve o 'modus operandi': "Ser inteligente e transformar uma desvantagem na sua arma. Sabe como usar o ambiente à sua volta para escapar viva".

"Do Mundo de John Wick: Ballerina"

Para Keanu Reeves, habituado a passar por esse treino intenso durante seis meses antes de começar a rodagem de cada título "John Wick", esta foi uma oportunidade única de contribuir para o filme sem a mesma pressão... ou dor.

"Era uma perspectiva interessante para ele, porque é Wick, mas não é Wick", diz Len Wiseman, que nota que, assim que chegou à rodagem, esteve "profundamente envolvido, como sempre", contribuiu com ideias, sequências de ação e ajustando diálogos, o que diz ter enriquecido o filme.

"Ninguém conhece John Wick melhor do que Keanu", diz o realizador.

Para Chad Stahelski, a nova história também oferece uma perspetiva diferente de John Wick.

"Se voltarmos ao primeiro filme, John é um pouco o bicho-papão. Portanto, é interesse ver o John pela perspectiva da Eve. Ele ainda é o John Wick, e ainda é uma força a levar a sério, mas de outra forma. É um Wick ligeiramente diferente, porque o vemos pelos olhos de Eve.", diz o arquiteto da saga.

"Do Mundo de John Wick: Ballerina"

A fazer a estreia na saga, Norman Reedus, popularizado pela série “The Walking Dead” (e “The Walking Dead: Daryl Dixon”), é Daniel Pine, um assassino cheio de contradições e deliciosas idiossincrasias.

Trata-se de um fã de longa data: “Gosto de tudo nestes filmes, incluindo as personagens, a iluminação e a ação. Lembro-me da primeira vez que vi o Keanu, como Wick, a tirar o cartucho de uma pistola. Pensei: ‘Meu Deus, rebobinem, rebobinem!’”

Amigo de Keanu Reeves há muitos anos graças à paixão comum pelas motas, acrescenta: “Estou honrado por entrar para o mundo de John Wick e posso dizer com confiança que não há nada igual, nem uma base de fãs tão apaixonada”.

Angelica Huston em "Do Mundo de John Wick: Ballerina"

A preparação para o papel passou por ver os quatro filmes, uma revisão mais atenta que destacou mais as qualidades: "Uma das coisas que realmente gosto neste universo é que ninguém mente. A ideia do assassino honesto é apenas uma das muitas regras que tornam estes filmes únicos. Tudo neles é 'cool' e intenso. Queremos estar sempre a revê-los."

No papel do principal antagonista, o Chanceler, que criou uma vila no meio das montanhas e domina e manipula uma comunidade inteira como se fosse uma seita, surge o veterano Gabriel Byrne ("História de Gangsters", "Os Suspeitos do Costume", "Hereditário").

Entrar na saga, diz a rir, tornou-o instantâneamente muito mais interessante aos olhos dos mais jovens na sua família.

Mas para um ator, nota, o papel do líder do culto enigmático foi muito atrativo: "Não se sabe ao certo em que universo o Chanceler opera. Mesmo as pessoas mais maldosas têm lados humanos. Não existe um vilão totalmente demoníaco. Mesmo aqueles de quem ouvimos falar na vida real são humanos, e é isso que os torna assustadores."

John Wick está para durar

Lance Reddick e Ian McShane com Ana de Armas em "Do Mundo de John Wick: Ballerina"

Quem já viu "Do Mundo de John Wick: Ballerina" diz que há potencial para mais sequelas. E que isto só agora começou...

De facto, a saga está para durar no cinema. No início de abril, a Lionsgate anunciou formalmente três filmes e um deles é mesmo "John Wick 5" a juntar Chad Stahelski e Keanu Reeves, apesar das mazelas físicas acumuladas do ator e da (aparente) morte da personagem no capítulo anterior.

Um segundo filme será uma prequela em animação que se passa antes dos acontecimentos do filme original de 2014 que mostrará o assassino profissional, que deverá manter a voz de Keanu Reeves, numa missão para matar os seus inimigos numa única noite e assim cumprir o seu dever com a organização High Table.

O terceiro projeto deverá ser o primeiro em que as câmaras começam a trabalhar: trata-se do "spinoff" anunciado em maio de 2024 focado em Caine, o assassino cego interpretado por Donnie Yen que perseguiu implacavelmente John Wick no quarto filme.

Enquanto se espera, a mitologia regressa e é reinventada no filme nos cinemas a partir de 5 de junho...