Quando a atividade cultural parou em março, no âmbito de uma decisão nacional de conter a propagação do novo coronavírus, uma das primeiras vozes que fizeram soar o alerta das dificuldades na Cultura veio de um teatro nacional.

"Em Portugal, a situação dos artistas já é historicamente muito precária, e esta pandemia vem revelar as fragilidades existentes. Preocupa-me a situação dramática de muitos artistas e técnicos. Há pessoas que não podem pagar as despesas básicas", alertou o diretor do D. Maria II, Tiago Rodrigues, em entrevista à agência Lusa.

Também o Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, do Audiovisual e dos Músicos (CENA-STE) chamou a atenção, no começo da pandemia: Este é um setor "onde a precariedade é transversal e predominante, assente sobretudo em ‘recibos verdes’, maioritariamente falsos, onde a proteção social é praticamente inexistente".

"Descalabro", "coma profundo", "invisibilidade", "intermitência", "perdas incalculáveis", "situação dramática e claustrofóbica" foram algumas das palavras usadas por artistas, técnicos, associações, sindicatos, por movimentos que surgiram no espaço público, em cartas abertas dirigidas ao poder político, em manifestações e em vigílias.

O reabrir da atividade cultural foi permitido a partir de maio, e aconteceu de forma lenta e gradual, com lotação reduzida, medidas restritivas e de higiene e uma retração de consumo por parte dos portugueses.

Ao longo dos últimos meses, entre paralisação e regresso da atividade, o CENA-STE fez inquéritos aos profissionais do setor, e o mais recente, de outubro, revela que mais de 80% da atividade prevista foi cancelada ou adiada e, “ao contrário do que tem sido dito pelo Governo, apenas 7% diz ter visto as suas atividades profissionais reagendadas com data concreta”.

O inquérito indicou ainda que apenas 12% dos trabalhadores da Cultura têm um contrato sem termo e mais de dois terços (70%) trabalham numa segunda atividade.

Os primeiros apoios do Governo para o setor da Cultura foram anunciados logo em março, com uma linha de emergência, que contou com 1,7 milhões de euros, para 314 projetos.

Seguiu-se em junho o anúncio de três linhas de apoio, no âmbito do Programa de Estabilização Económica e Social (PEES), que só abriram em agosto: Apoio a estruturas artísticas (três milhões de euros), apoio social a trabalhadores (34,3 milhões) e apoio a adaptação dos espaços às medidas de prevenção de contágio (750 mil euros).

Na altura, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, admitiu que "a Cultura foi dos setores mais atingidos no meio deste 'tsunami' que se abateu" sobre o país.

Segundo Graça Fonseca, o apoio social de 34,3 milhões de euros estaria disponível para um universo de 18.000 beneficiários, mas os representantes do setor alertaram que nem todos o iriam receber.

Em novembro, na discussão da proposta de Orçamento do Estado para 2021, Graça Fonseca revelou que cerca de 9.000 profissionais receberam até então 12 milhões de euros de apoios da Segurança Social, incluindo o apoio social com o teto máximo de 34,3 milhões de euros.

Apesar dos sucessivos pedidos de informação feitos pela agência Lusa ao longo de meses, o Ministério da Cultura não revelou quantos trabalhadores foram abrangidos pelo apoio social, quantos efetivamente já receberam as prestações, quais as entidades, e de que áreas artísticas, foram contempladas pelos apoios públicos.

Nestes meses, e apesar dos anúncios feitos, a tutela da Cultura foi criticada por não ter efetivamente resolvido tanto o problema da precariedade como o do subfinanciamento do setor.

Num dos protestos, em setembro, uma centena de agentes culturais concentrou-se junto ao Palácio Nacional da Ajuda, em Lisboa, para "um brinde à ignorância da ministra da Cultura", num "'drink' de copo vazio", em alusão à ausência de respostas do Governo.

"Os agentes do setor da Cultura não querem esmolas nem subsídios, querem sim um setor sustentável e sustentado", afirmaram os manifestantes.

Entre as reivindicações do setor estão a obrigação de contratos de trabalho para os profissionais da Cultura, o fim dos recibos verdes, o acesso ao subsídio de desemprego, a fiscalização das relações laborais e reforço de orçamento para a Cultura.

Na semana passada, no fecho de várias reuniões com representantes dos trabalhadores da Cultura, Graça Fonseca disse à agência Lusa que até ao final deste mês estará pronta "a proposta para o estatuto do profissional da Cultura, sob coordenação da ministra da Cultura".

Quanto ao orçamento para a Cultura, os 313,1 milhões de euros de despesa total do Ministério da Cultura, prevista no Orçamento do Estado em 2021, representam 0,21% da despesa total consolidada da Administração Central, segundo os números do Governo.

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