Elza Soares, estrela maior da música brasileira, morreu esta quinta-feira, dia 20 de janeiro,  confirmou a equipa da artista aos meios de comunicação brasileiros. "É com muita tristeza e pesar que informamos o falecimento da cantora e compositora Elza Soares, aos 91 anos, às 15 horas e 45 minutos em sua casa, no Rio de Janeiro, por causas naturais", adiantou o comunicado citado pelo site G1.

"Ícone da música brasileira, considerada uma das maiores artistas do mundo, a cantora eleita como a Voz do Milénio teve uma vida apoteótica, intensa, que emocionou o mundo com sua voz, sua força e sua determinação", escreve a equipa da cantora.

"A adorada e eterna Elza descansou, mas estará para sempre na história da música e nos nossos corações e dos milhares fãs por todo mundo. Feita a vontade de Elza Soares, ela cantou até o fim", remata o comunicado.

"A mulher do fim do mundo"

Considerada uma das estrelas maiores da música brasileira e "dama do samba", Elza Soares nasceu no Rio de Janeiro em 1930. Surgiu no programa de talentos "Calouros em Desfile" e gravou o primeiro álbum, "Se acaso você chegasse", em 1959, a que se seguiram mais de três dezenas de discos.

Ao longo da carreira, a artista lançou 34 discos com mistura de samba, jazz, música eletrónica, hip hop e funk. Porém, no início da sua carreira, Elza Soares focou-se no samba e gravou discos com Miltinho (1928–2014) e o baterista Wilson das Neves (1936–2017) nos anos 1960 -  "O samba é Elza Soares" (1961), "Sambossa" (1963), "Na roda do samba" (1964) e "Um show de Elza" (1965) foram alguns dos discos.

Nos anos 1970, a artista editou  "Salve a Mocidade" (1974), "Bom dia, Portela" (1974), "Pranto livre" ( 1974) e "Malandro" (1976).

Na década seguinte, Elza Soares pensou em desistir da sua carreira depois de um período controverso. Antes de tomar a decisão, a cantora pediu ajuda a Caetano Veloso, que a convidou para a canção "Língua", do álbum "Velô" (1984). Um ano depois, em 1985, a artista editou "Somos todos iguais".

No final dos anos 1990, editou "Trajetória" e "Carioca da Gema - Ao vivo". Em 2002, com direção artística de José Miguel Wisnik, gravou "Do cóccix até o pescoço".

Seguiram-se os discos "Vivo feliz" e "Beba-me - Ao vivo". Em 2015, chegou o aclamado "A Mulher do Fim do Mundo", a que se sucedeu "Deus É Mulher", em 2018. Em 2019, a cantora editou o seu último trabalho, "Planeta Fome".

A brasileira considerava o álbum "A Mulher do Fim do Mundo" como um marco "muito especial na carreira", devido à produção e à "banda de luxo" que a acompanhou, composta por jovens músicos, uma "juventude que não está brincando".

Para Elza Soares, o álbum é como um marco "muito especial na carreira", devido à produção e à "banda de luxo" que a acompanhou, composta por jovens músicos, uma "juventude que não está brincando".

"Sempre disse e repito, se eu tivesse um bom produtor como tenho hoje [Guilherme Kastrup] talvez não tivesse uma carreira tão instável. Por tudo isto posso afirmar que este é o álbum da minha vida", considerou.

O disco, um dos mais elogiados pela crítica de uma carreira que começou em 1959, conta com 11 faixas, que foram escolhidas de um total de 50, produzidas durante as gravações, ainda que os temas que ficaram de fora possam ser integradas no próximo registo de estúdio.

Em 1999, foi eleita pela BBC como a cantora brasileira do milénio.

 “Quem não tem voz, grita”

Elza Soares
créditos: Mónica Ferreira

Em junho de 2019, a artista brasileira Elza Soares esteve em Portugal para lançar a sua biografia e apresentar um novo disco, tendo rejeitado a invisibilidade e o racismo, apelando a quem não tem voz para que grite.

“Todos nós somos visíveis, não existe o invisível”, refletiu, frisando que os mais vulneráveis serão "empoderados" através da educação e da cultura.

Entrevistada pela agência Lusa na Livraria da Travessa, em Lisboa, onde apresentou a sua biografia, escrita pelo jornalista Zeca Camargo, Elza Soares assumiu-se “totalmente” feminista, o que, para ela, significa “ter coragem de gritar que se é mulher”.

Embora diga que não tem idade, mas apenas tempo, Elza Soares assistiu a “muita transformação” nas mulheres. No passado, “não falavam nada, iam caladas”. Hoje, “estão falando, as mulheres estão mais unidas, (…) mais conscientes da necessidade umas das outras”, comparou, em 2019.

A cantora acreditava “piamente” que o mundo seria mais justo se as mulheres liderassem. “Se o mundo fosse dominado por nós, mulheres, tudo teria sido (…) bem diferente, muito mais suave”, previu.

“Tanto faz ser branca como ser negra, se é mulher já é discriminada, por isso é que a união da mulher é muito importante”, insistiu.

“A fome continua, eu hoje tenho fome de tudo, tenho fome de saúde, tenho fome de paz, tenho fome de amor, tenho fome de cultura, enfim, a fome continua. A fome não é só comida, a fome é tudo isso que você sente”, constatou, em 2019.

Sobre a biografia de “sacrifício e coragem” que Zeca Camargo escreveu –- “Elza” --, Elza Soares disse que “conta a história de uma vida que não era para dar certo” – mulher, negra, pobre -, mas que deu. “A vida depende de como ela é vivida”, resumiu, como se fosse simples.

Elza Soares via “o Brasil de sempre”, quando se lhe pediam comparações que a sua idade permite fazer. “Não falo nele”, recusava. Ele é Jair Bolsonaro, o atual presidente do Brasil. “Não falo de política. Falo em nós, o povo. O povo, querendo, modifica. A voz do povo é a voz de deus. Basta o povo dizer ‘sim’ e tudo será sim”, frisou. À pergunta se o povo brasileiro está desperto, respondeu: “Está ficando esperto.”

Elza Soares sublinhava que “o povo está mais escondido, mas de repente ele vai par a rua”, acreditava. “Precisava muito de ir mais para rua, muito mais”, remantou.

Em todas as conversas com os jornalistas, a artista quis recordar o momento em que se cruzou com Amália Rodrigues, no Brasil, num programa em que esta cantou um samba e ela um fado (“Nem às paredes confesso”). “Foi muito bom”, recordou, pedindo aos fadistas portugueses que escrevam “um fado para a Elza”.

No final, Elza Soares deixou uma mensagem às mulheres portuguesas e brasileiras que vivem em Portugal. “Denuncie, não se deixe ser castigada pela violência. A mulher é o mundo, o mudo sem mulher não existe. Nós temos de nos valorizar, cada vez mais. Denuncie, mulher, não aceite a violência, por favor.”

Já em 2017, em entrevista à agência Lusa, Elza Soares explicou que "nunca criava expectativas" para os concertos, mas que Portugal era um país onde se sentia bem, por serem povos "irmãos, a mesma família".

"Sinto isto nitidamente quando recebo essa energia avassaladora desse público que me acolhe e me recebe com tanta estima. Sinto-me em casa", contou.

"Não conto quantos anos tenho. Ia dar uma trabalheira"

Quando celebrou 90 anos, Elza Soares confessou que, segundo a "lenda", faz anos duas vezes no ano: "Reza a lenda que eu faço aniversário duas vezes no ano. Reza a lenda e rezo eu para agradecer por tanta vida. Para quem passou pelo que eu passei, celebrar durante um mês inteiro é pouco".

"É em 23 de junho ou 22 de julho? Não importa. Eu comemoro as duas datas e nesse ano será o mês todo. É cara, mais uma primavera, mais um 'passaporte' carimbado rumo à próxima década, mas não conto quantos anos tenho. Nunca parei para contar. Ia dar uma trabalheira danada. Há dias em que nem nasci ainda, estou no ventre, em outros acabei de nascer, sei lá. Sou menina, filha do século 21 e mulher feita, tenho a idade de Nefertith. Vou vivendo, reinventando-me e vivendo nos últimos anos, os melhores dias da minha vida", escreveu Elza Soares na sua conta no Instagram, em 2020.

"O meu muito obrigada por tudo e por tanto, obrigada ao meu São Jorge, à minha mãe Dona Rosália, ao meu pai, 'Seu' Avelino, à minha família, aos meus filhos, às minhas netas e netos, aos meus bisnetos, aos meus irmãos, aos meus empresários, à minha equipa, aos meus músicos, aos meus compositores, aos meus amigos, aos meus fãs, a toda imprensa, à minha gravadora e cada um de vocês que em algum momento da vida dedicaram um minuto seu para curtir a minha arte, a minha vida, a minha história. Vai começar mais uma primavera! Que venha. Estou pronta", sublinhou.

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