A HISTÓRIA: Uma pequena cidade a norte de Tóquio vive sob o domínio de dois grupos de bandidos: um deles protege os mercadores de seda, o outro os de saké. Um samurai mercenário, Sanjuro Kuwabatake, vende os seus serviços às duas quadrilhas e assiste à destruição recíproca dos inimigos. Porém, a chegada de Unosuke, irmão de um dos chefes rivais, munido de uma arma de fogo única em toda a região, vai endurecer o conflito. Fingindo aliar-se a Unosuke, Sanjuro Kuwabatake mata vários dos seus asseclas até ser finalmente descoberto e preso. Entretanto, a batalha final aproxima-se.

"Yojimbo, o Invencível": reposição nos cinemas a 24 de setembro.


Crítica: Hugo Gomes

Entre as grandes obras-primas de Akira Kurosawa, “Yojimbo, o Invencível” é uma ópera minimalista de calculista agressividade. Ainda hoje, é inesquecível a entrada deste Ronin [samurai sem dono] interpretado por Toshirô Mifune no vilarejo sem eira nem beira, fantasmagoricamente recolhido aos seus mais profundos temores.

A cada passo, a banda sonora composta por Masaru Satô acompanha-o na cadência de um convite amargo e de longe, um cão rafeiro, trazendo nas suas “bocarras” uma mão amputada, reforça o "ultimato": o aviso foi feito e a partir disto nada será como dantes, nem mesmo para o cinema ocidental.

De um modo geral, Akira Kurosawa voltava a "apropriar-se" do Ocidente para o recitar em vestes orientais e a seguir resultar um "manual de influências": se “Os Sete Samurais” [ler crítica] se tornou um dos filmes mais relembrados e imitados nas odes da ação e aventura, “Yojimbo”, de menor escala, viria assumir-se como o ingrediente fulcral para o western spaghetti, quando foi "roubado", palavras do próprio mestre japonês, pelo realizador italiano Sergio Leone no seu “Por um Punhado por Dólares” (1964), que definiria a estrutura das produções italianas baratas que repescavam os elementos do western americano com ventos da glória e discursos de patriotismo e lhe incutiam um teor selvagem, sangrento, sujo e imoral.

Admirador convicto do classicismo idiossincrásico de John Ford e das suas “coboiadas”, o cineasta japonês engrena um duelo por entre a poeira e o sol nascente, recorrendo a uma desconhecida figura errante que paira numa cidade marcada pela violência e corrupção.

Esta é uma lavagem ambígua da jornada heroica do cinema americano, dos pistoleiros de honra sempre “guiados” das boas morais segundo as condutas de Hollywood. Aqui, o que resta de John Ford é despojado num sangrento conto de um anti-herói sem passado que aplica a sua justiça com estratagemas duvidosos sobre malfeitores para receber várias recompensas.

Por outras palavras, “Yojimbo” é uma busca pela essência do "jidai-geki", o subgénero de filme de samurais, com a temperatura reconhecida dos "westerns fordianos", despidos e encorajados numa crítica de "pescadinha de rabo na boca" aos seus alvos fílmicos (a constante presença do revolver nas mãos de um dos seus adversários é exemplo desse olhar inquisidor). Aqui, Mifune compõe um personagem que o espectador pouco ou nada sabe para confiar nos seus questionáveis feitos heroicos.

Mais tarde, Kurosawa revelaria que as veias do cinema "noir" inspiraram a criação deste “yojimbo” [guarda-costas], sobretudo pelo cinzentismo das suas vontades, pensamentos e a sua função na história, citando como exemplo "Sou Eu o Criminoso”, de Stuart Heisler (1942). E embora não seja correto afirmar que a personagem sem-nome de Mifune seja um dos primeiros anti-heróis no cinema, não é delírio vê-lo como um dos modelos principais para outros que apareceram a seguir e é reciclado até hoje num cinema mais cínico e sem fé em heróis à americana.

Uma curiosidade: "Yojimbo, o Invencível" foi o maior sucesso de Akira Kurosawa no seu país, que faria logo no ano a seguir a sequela “Sanjuro”, que alteraria para sempre o próprio subgénero "jidai-geki" e a forma de encararmos as fatalidades no universo dos samurais.

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