A HISTÓRIA: Após uma série de crimes sem explicação, um pai reúne-se ao seu filho que estava desaparecido há 10 anos. Titânio: um metal altamente resistente ao calor e à corrosão, com ligas de alta resistência à tração.

"Titane": nos cinemas a partir de 7 de outubro.


Crítica: Hugo Gomes

"Titane" é a história mirabolante de uma assassina em série com fetiches pelo metálico que copula com um automóvel numa noite específica. E que, enquanto alimenta uma outra e sádica sede, é invadida por um "corpo estranho" que a vai transformando em algo... distinto.

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Pelo meio desta improvável mistela (uma receita indigesta para menos preparados para este universo, como se pôde constatar por algumas reações extremistas após o filme ganhar a Palma de Ouro em Cannes) somos apresentados a uma "filha bastarda" de “Crash”, de David Cronenberg, um "body horror" que não só joga com as drásticas metamorfoses corporais, como também com as fronteiras do género, com toques da excentricidade mórbida de muito cinema nipónico dessa classe (de “Tetsuo: The Iron Man”, de Shin'ya Tsukamoto, a muitos e grotescos devaneios de Takashi Miike).

Nesta segunda longa-metragem de Julia Ducournau, seguindo a trajetória do seu aclamado “Raw” (também ele um disfarçado “body horror” sobre a transformação de uma vegetariana após provar carne pela primeira vez), “Titane” é um filme estilístico sobre a nossa fixação pelos corpos e pela ambição de os converter em eternos, custe que custar, ou será melhor mencionar – “titânicos” –, enquanto discute a fluidez do género enquanto identidade social nessas aberrações consolidadas.

A realizadora expele aqui uma monstruosidade vivente entre dois mundos: o de um certo “classicismo” trazido pelo horror cinematográfico, a tradição do choque e o uso do terror como a derradeira linguagem política no cinema; e um segundo que nos guia por questões atuais ou de preocupação "millennial", nunca desgrudando a sua metáfora fílmica.

Portanto, “Titane” opera consoante a interpretação e representação que lhe quisermos dar e visualizar, nunca prescrevendo em absolutismos ou propagandas. É terror, choque, sangue e bizarrias. E, ao mesmo tempo, política, identidade e sociedades espremidas numa só arte. Uma complexa panóplia disfarçada num gesto de repugnar o espectador, com uma atriz titânica como Agathe Rousselle a servir-nos de compaixão e incómodo e um dos mais excêntricos desempenhos de aclamado ator Vincent Lindon. Ambos em figuras presas às suas maldições, que ambicionam pelo aço o que os seus corpos invejam.

Com "Titane", Julia Ducournau conseguiu uma aberração no meio de tanto conformismo. Sem classificá-lo como o mais “estranho filme da temporada”, porque simplesmente não o é, somos abalados por uma viagem de enganos e de sensações estranhas onde o corpo não é definitivo. Temos nome para o futuro.

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