A HISTÓRIA: Um ex-interrogador militar torna-se num jogador assombrado por fantasmas das suas decisões do passado.

"The Card Counter - O Jogador": nos cinemas a partir de 18 de novembro.


Crítica: Hugo Gomes

Para o realizador e argumentista Paul Schrader, as cartas mantiveram-se na mesa de jogo sem qualquer embaralhação após o “sucesso”, chamaremos assim, de “No Coração da Escuridão”, (2017) que restaurou a fé de outros nele após vários fracassos comerciais e artísticos.

“The Card Counter: O Jogador” percorre os mesmos caminhos sob outras equações e o autor dos argumentos de “Taxi Driver” (1976) e “O Touro Enraivecido” (1980) encanta-se a refazer o teatro de sombras de homens perturbados e recolhidos à sua própria escuridão.

Neste caso é Oscar Isaac como William Tell, ex-condenado e ex-militar convertido a discreto apostador de “blackjack”, jogo que o próprio considera próximo ao índice de vida, “à qual um passado significativo afeta as probabilidades do futuro”. O filme balança entre o conto de redenção e de vingança deste homem desligado do seu exterior, lançando a dúvida num destino ainda por definir. E o ator torna-se uma marioneta, por vezes distante, ao serviço da poética estabelecida por Paul Schrader, que decora também de forma fria um filme na estância da sua própria cinefilia.

Por outras palavras, neste baralho estão os 'duques' e 'rainhas' pelos quais o realizador é fascinado (nada contra, o portento “No Coração da Escuridão” detinha essa piscadela imagética em todo o seu percurso), traduzidos no seu 'loop' criativo ou em extrações do cinema de Robert Bresson (“Fugiu um Condenado à Morte” é recitado no início e o olhar 'morto' de Oscar Isaac paraleliza o de Martin LaSalle em “O Carteirista”, iscos implantados num anzol de fetichismo cinéfilo).

Só que “The Card Counter” é servido com uma estrutura por preencher, falta vivência nos seus planos cuidados, intercalados por 'flashbacks' em modo 'olho de peixe', e um definido pathos na condução da razão de existência – sim, a dita vingança. Sabe-se que costuma ser melhor servida fria, mas o cinema aqui, esmagado pelo legado das suas referências, torna-se ele próprio um exercício gélido.