A HISTÓRIA: O casamento da Princesa Diana e do Príncipe Carlos há muito se transformou numa relação gélida. Entre abundantes rumores de casos extraconjugais e divórcio, a paz é encomendada para celebrar as festividades de Natal na propriedade real de Sandringham House. Há comida e bebida, tiro ao alvo e caça. Diana conhece o jogo. Mas desta vez, as coisas vão ser muito diferentes.

"Spencer": nos cinemas a partir de 4 de novembro.


Crítica: Daniel Antero

Escrito por Steven Knight ("Peaky Blinders"), "Spencer" é um retrato íntimo da mãe, esposa, princesa e mulher Diana Spencer, onde a imaginação e o surreal são usados para racionalizar a sua identidade feminina.

Pablo Larraín, cujos 'biopics' - "Jackie", "Neruda" - nunca são meras estruturas cronológicas de eventos, assenta o filme numa fábula que tem lugar na quadra natalícia. Imaginando um encontro da família real na propriedade de Sandringham, em Norfolk, coloca Diana (Kristen Stewart) em choque com a perfeição do protocolo, a abundância alimentar e o mediatismo. Desolada, deprimida e perseguida, ela recusa-se a se submeter às tradições e decide partir numa viagem poética em busca da liberdade.

Entre sonhos, aparições e pesadelos, "Spencer" confronta-nos com a crise existencial da jovem, e no embalo de filmes como "Marnie", de Alfred Hitchcock (1964), ou "Repulsa", de Roman Polanski (1965), vai gradualmente resvalando para terrenos de 'thriller' psicológico, mergulhando-nos cada vez mais na psique de Diana.

Etéreo e assombrado, caminhamos com ela por meio dos corredores sombrios da grande mansão, os quartos sumptuosos e os esconderijos tentadores, enquanto a vemos descer às suas neuroses, encontrar a sua afinidade catártica no fantasma da rainha Ana Bolena (esposa de Henrique VIII, que este mandou decapitar) e sarar a sua dor interior e exterior.

Nesta descida profunda em muito nos agarramos ao desempenho de Kristen Stewart. Num tributo aos maneirismos de Diana, compõe um dos melhores desempenhos da sua carreira com uma fabricação calculista, onde as suas micro expressões são orgulhosamente executadas a tempo de metrónomo. Mas também com momentos de coração cheio, onde é amorosa, temperamental e mimada.

E é assim que acreditamos que seria Diana, ela que foi privada da sua vida e fabricada aos olhos de muitos. Como lhe diz o Príncipe Charles (Jack Farthing): "A questão Diana, é que têm de existir dois de ti. O verdadeiro e aquele de quem tiram fotografias". Ela escolheu ser apenas Spencer.