A HISTÓRIA: Com uma era conturbada da história brasileira como pano de fundo, este documentário acompanha a extraordinária ascensão de Pelé de jovem revelação a herói nacional.

"Pelé": disponível na Netflix desde 23 de fevereiro.


Crítica: Daniel Antero

O novo documentário da Netflix viaja pelo passado de Edson Arantes do Nascimento, invocando a inspiração que um homem teve nos demais. Desde o vizinho do lado ao ditador militar Emílio Médici, todos foram tocados pela desenvoltura física e crença estampada no rosto do jogador profissional de futebol que venceu três mundiais de futebol: 1958, 1962 e 1970.

Agora com 80 anos, o “Rei” recorda em entrevista as três décadas primordiais da sua carreira. Revivendo a sua ascensão prodigiosa desde o Santos FC até à seleção brasileira, Pelé é cordial e diplomático, em momentos, emotivo por alegria, noutros por tristeza. E ainda por puro medo...

A virtude do atleta é elevada ainda por entrevistas aos seus colegas de equipa Zagallo, Rivellino, Jairzinho, entre outros, enquanto que o homem e ícone pop é enquadrado por depoimentos de jornalistas, do cantor e ex-ministro da cultura Gilberto Gil, e do Presidente da República Federativa do Brasil Fernando Henrique-Cardoso.

Tudo é vivido, épico e confortável. Demais. Pois "Pelé", o documentário, é regido pelos realizadores Ben Nicholas e David Tryhorn com o estilo predominante das produções Netflix, onde a música incessante e a edição vertiginosa de imagens de arquivo é por vezes demasiado gritante. E este registo chega a abafar o mais ensurdecedor, preso nas entrelinhas.

Quando surge Antônio Delfim Netto, um ex-ministro da ditadura militar brasileira que assinou o acto "AI-5" que institucionalizou a tortura e a censura, a justaposição com o silêncio desconfortável de Pelé indica-nos a sua ferida aberta e o seu “alívio”. Pelé refere-se à vitória no Mundial de 1970, onde ele e a equipa brasileira foram instrumento de propaganda política, coniventes de mãos atadas, usados para a legitimação do golpe militar.

Cientes da importância daquele título tanto para o líder da ditadura como para a emancipação do povo brasileiro, fica no ar as possíveis consequências nefastas de um desaire futebolístico e da manifestação contra o governo.

Com duas histórias fortes entravadas, apesar de querer fazer jus ao atleta e ícone pop, o documentário "Pelé" é competente, polido e sentido, mas nunca ascende ao verdadeiro nível do Rei. A magia do seu futebol e a sua distinção como primeiro atleta negro brasileiro de renome são floreados e o peso da ditadura é um ápice nesta cronologia de memórias que provavelmente merecia uma série documental de dez episódios.

Fica a consolação de nos mostrar parte do homem que admiramos, ele que agora, com 80 anos, ainda sorri com o mesmo encanto que continuará a atrair admiração nas próximas décadas.

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