A HISTÓRIA: Uma família coreana no desemprego começa a ter um interesse peculiar por uma outra, esta com um estilo de vida cheio de glamour – até que todos se envolvem num acontecimento absolutamente inesperado.


Se vamos encarar este “Parasitas” como a enésima lengalenga da guerra entre classes, então, segundo a sagrada sabedoria popular, mais vale tirar o “cavalinho da chuva”.

Esta menção de aguaceiro não é de todo fruto do acaso: com esta obra de Bong Joong-Ho é a "água vai e água vem" a encarregar-se de “limpar” da vista dos mais afortunados os “insetos humanos” que se empoleiram para “parasitar” as suas tão cobiçadas vidas. Uma "higienização" que leva a um isolamento das classes de topo.

Em "Parasitas", somos encaminhados para uma família subsídio-dependente, os Kim, que sobrevivem através de esquemas e de puro oportunismo. Como todos os indivíduos deste grupo social, fantasiam com uma vida de luxos necessários e de segurança financeira futura. E é então que, quando a oportunidade lhes bate à porta, os Kim se infiltram no seio da família dos abonados Park e o que seria uma operação de subsistência com prazo incerto converte-se num manual de reviravoltas num mundo onde vale tudo.

Voltando ao ponto inicial do texto - o do confronto entre as diferentes classes - não é nada que Joon-Ho não tivesse já feito de forma quase "orwelliana" no distópico “Snowpiercer – O Expresso do Amanhã”. Só que, em “Parasitas”, tudo é corrido a símbolos.

O título é simbólico e quase analógico para com este embate social e os maneirismos e a ostentação da cultura ocidental por parte dos “ricos” aqui inseridos espelham uma ideia de uma classe alta formatada pelos parâmetros euro-americanos (quase como o desejo da burguesia pelo exotismo). O realizador desconstrói e reconstrói vezes sem conta, sem nunca seguir tratados de sociologia.

“Parasitas” é cinema astuto pontuado pelos códigos do mais entusiástico “storytelling” (a capacidade de contar uma história e por sua vez torná-la percetível a todo os olhares) que o cinema sul-coreano nos ofereceu desde o início deste século, como resposta à deterioração narrativa do sistema de Hollywood.

Bong Joon-Ho fez parte dessa vaga, ao lado de nomes como Chan-wook Park (“Oldboy – Velho Amigo”) e Kim Jee-woon (“História das Duas Irmãs”), que colocaram a Coreia do Sul no mapa do espetáculo cinematográfico (e obviamente encheram Hollywood com “novas ideias”). Contudo, tentou separar-se da vaga, instalando-se como um homem de mil ofícios e de mil produções (a colaboração com a Netflix que gerou o conto moral vegetariano “Okja”, é um dos exemplos dessa versatilidade).

De regresso ao seu território natural, o realizador demonstra a sua determinação em dissecar o seu tema-base – a classe social do ponto de vista de um eterno contador de histórias. Nada de novo, é certo, mas “Parasitas” remexe em diferentes tons, apresentando-se como uma salada russa fresca. A sensação de novidade é aquela que obtemos perante esta mistela de ritmos e sabores. "Parasitas" é o poder da arte de contar uma história de Joon-ho e por isso estamos mais do que agradecidos.

"Parasitas": nos cinemas a 26 de setembro.

Crítica: Hugo Gomes