A HISTÓRIA: Astuto e ambicioso, Balram Halwai (Adarsh Gourav) é um aldeão pobre que faz pela vida para ser motorista de Ashok (Rajkummar Rao) e Pinky (Priyanka Chopra Jonas), que acabam de regressar dos EUA. Uma vez que a sociedade condicionou Balram a ser somente um servo, ele decide tornar-se indispensável para os seus patrões ricos. Mas, após uma noite de traição, acaba por perceber que os dois estão mais que dispostos a lançá-lo às feras para salvarem as suas peles. Prestes a perder tudo, Balram revolta-se contra um sistema viciado e desigual.

"O Tigre Branco": disponível na Netflix desde 22 de janeiro.


Crítica: Filipa Moreno

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Este homem com roupas limpas narra a história, em jeito de carta, num escritório cuidado. Não é de luxos, mas o cenário contrasta com o passado: Balram era um rapaz pobre, mas promissor, quando lhe tiraram a oportunidade de estudar para que, com o trabalho, ganhasse dinheiro para a família.

“O Tigre Branco” é a adaptação de um livro premiado de Aravind Adiga para a Netflix e o realizador Ramin Bahrani consegue fazer um filme com uma voz única: tem um toque de cinema americano, mas não é uma peça de Hollywood; e tem pouco de cinema indiano, mas muito da identidade daquele povo.

O filme passava bem sem a narração, mas compreende-se a muleta para esta história densa em que o essencial descreve-se em duas cenas particulares.

Na primeira, um homem mata e despedaça galos, uns atrás dos outros. A cena é visceral e simbólica: Balram descreve a relação de forças da sociedade indiana como um golpe de galos, prontos que estão para o matadouro sem nunca se revoltarem.

Mas também os mais pobres mantêm um sistema dominado pelo privilégio e a corrupção. Mais do que subservientes, são devotos. Está-lhes enraizada a necessidade de servir os mais poderosos.

Noutra cena, é esta realidade que fica verdadeiramente a nu: Balram é triturado pela família para quem trabalha. Ashok (Rajkummar Rao) e Pinky (Priyanka Chopra) pareciam ser patrões modernos, mas bastou que a oportunidade se apresentasse para mostrarem uma face muito diferente. E Balram sorri por assumir a responsabilidade do crime que os seus mestres lhe querem atribuir. Chora por sentir a alegria de cumprir o seu dever mesmo sabendo da perversidade do momento.

Emocionante e envolvente sem exagerar, o brilhante Adarsh Gourav dá vida a este homem e aos seus diálogos internos, que entre a perplexidade e a consciência plena, nos deixa ver a deterioração do estado mental de alguém que parece não conseguir escapar a um sistema viciado e desigual.

No ator reconhecemos a mesma ingenuidade que encontrámos em Dev Patel em “Quem Quer Ser Bilionário” (2008) , de Danny Boyle, mas a sua personagem é mais densa – não é, de resto, movido pelo amor romântico, mas pela afirmação pessoal no meio da imoralidade.

É palpável a reflexão interior em que Balram percebe que, afinal, sempre teve dentro de si a chave da porta por onde fugir ao ciclo vicioso da opressão do sistema de castas da Índia. Como ele diz, já só há duas e a diferença entre elas está no número de furos do cinto.

“O Tigre Branco” podia ombrear com o oscarizado “Parasitas”, de Bong Jong-hoo. Mas não é essa a promessa do trailer da Netflix – e a surpresa torna a experiência ainda mais rica. Desprezo ou devoção – é a dúvida mais profunda de Balram, o único da sua geração que acordou e rompeu. Tão raro e tão imponente como um tigre branco no meio de galos.

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