A HISTÓRIA: Yana vive com o seu marido, David, e com o seu filho, George, numa comunidade de Testemunhas de Jeová situada nas montanhas da Geórgia. Quando a comunidade é atacada por um grupo extremista, a família confronta-se com uma escolha entre o medo e o desejo de justiça. Ao mesmo tempo, Yana enfrenta uma crescente insatisfação com a vida no contexto patriarcal da comunidade religiosa.

"O Começo": nos cinemas a 29 de abril.


Crítica: Hugo Gomes

Uma das grandes surpresas do cinema georgiano, “O Começo” - a primeira longa-metragem da realizadora Dea Kulumbegashvili - é um filme que desespera pelo fim do seu próprio tormento. Aquele que acompanha Yana, mulher de um líder das Testemunhas de Jeová de uma pequena cidade dominada por cristãos ortodoxos, que é “perseguida” por uma ameaça “invisível” e por vezes incorporada nos seus maiores medos após um ataque extremista (ainda com as culpa por averiguar).

Assustada e oprimida por elementos antagónicos que a intimidam, molestam e a violentam das mais diferentes maneiras, a nossa protagonista procura, mesmo assim, em toda esta escadaria infernal, um só momento de repouso. Pela mesma via segue “O Começo”, acompanhando-a na busca pelo efémero conforto pessoal, convidando o espectador a colocar-se ao seu lado na sua concretizada, digamos, “sesta”, a tranquilidade possível.

Tal como Yana (uma brava e certeira Ia Sukhitashvili), o filme atenta-se nesse sossego e repousa a ação para depois regressar à viagem atribulada e à tortura, quer psicológica, quer física, da protagonista. Contemplativo e dependente de inúmeros e longos planos fixos, para além de citar as atitudes mais que estudadas do estilo "tarkovskiano" (do grande cineasta russo Andrei Tarkovski), ou seja o esculpe do tempo, essa maleabilidade e ensaio ora relativo, ora demoroso, ora cruel, “O Começo” nunca avança para lá do conhecimento desta mulher georgiana.

Aqui, o espectador não é mais que uma testemunha silenciosa, impotente, atestada num regime opressivo e repressivo, principalmente para a Mulher (não só a protagonista). Para isso contribui o uso da religião como uma milenar "âncora" para parar os direitos da mulher, desde o corpo do seu marido negligente e obtuso à imperatividade da maternidade, que aqui, por vias de (re)citações "bíblicas", tem uma certa liberdade divina e anti-climática.

“O Começo” é um jogo de realidades encostadas a moralidades emprestadas e algo fabulistas, sem uma contaminar a outra, que dialoga com o seu público através de uma importante economia de palavras e no ausente grafismo das suas imagens. É uma experiência sensorial, dura e desencantada, e uma prova messiânica de que um nome tão difícil de pronunciar na realização [Dea Kulumbegashvili] se torne numa das mais promissoras figuras do cinema europeu dos próximos anos.