A HISTÓRIA: Quatro irmãs procuram realizar os seus sonhos, em plena época da Guerra Civil americana (1861-65). Cada uma com um feitio diferente: a já adulta, Meg, Jo, a impulsiva, Beth, a tímida e Amy, a orgulhosa.


Crítica: Daniel Antero

Mantendo-se fiel à voz e ritmo da escritora Louisa May Alcott, a argumentista e realizadora Greta Gerwig convida-nos para o interior do lar March, onde a energia da juventude, excitação e correria, celebram a irmandade.

Com a chama de "Mulherzinhas" no diálogo naturalista, nos atropelos, no ritmo afoito da vida doméstica, a família envolve-nos, recebe-nos com calor e carinho num mundo onde a confiança e o respeito absoluto são pedras que sustentam um caos de expressão e criatividade.

Diferentes nas suas personalidades, igualitárias no seu pensamento progressivo, as talentosas irmãs March tornaram-se referência para gerações de mulheres que, a cada nova leitura, puderam reflectir as suas vivências na maternalista actriz Meg (Emma Watson), na efervescente escritora Jo (Saoirse Ronan), na vaidosa pintora Amy (Florence Pugh) ou na doce pianista Beth (Eliza Scanlen).

A obra da escritora norte-americana, publicada em 1868/69 em dois volumes, desvendou a forma como cada irmã solidificou a sua identidade e atingiu a emancipação artística e financeira. O primeiro narrou a sua inocência e euforia da adolescência; o segundo, os obstáculos que superaram, ou não, para cumprir os seus sonhos, já na idade adulta.

Esta narrativa intemporal com inúmeras adaptações tem agora uma versão inovadora: Gerwig reconstrói o romance num mosaico temporal, com duas linhas de tempo separadas, enleando os acontecimentos da vida adulta e da adolescência, transformando-os em memórias, como adultos que revisitam os catalisadores dos seus sonhos, amores e inspirações criativas. No centro da trama, coloca o desejo de Jo, que quer ser escritora e com isso, tornar-se apoio para a família e ser independente.

O matrimónio é um tema extenso na narrativa original, onde Amy quer casar com um homem rico e Meg tem o sonho de ter filhos. Já Jo, desafiadora das normas, combatente, está certa de que o noivado não é para si, voraz por atingir algo maior, acabando, no entanto, por se unir ao professor Bhaer.

Gerwig, assume tudo isto com determinação e graça nesta versão em que homens como Laurie (extraordinário Timothée Chalamet) ou Friedrich Bhaer (charmoso Louis Garrel) são resguardados para segundo plano. Moderniza e distorce também o final, adequando-o às reais intenções de Alcott, apresentando um caminho alternativo para a heroína literária.

Nesta jornada de emancipação, a realizadora coloca Saoirse Ronan de novo como seu alter-ego (já o tinha feito em "Lady Bird"), interpretando Jo March, que, por sua vez, era o alter-ego de Louisa May Alcott. Através dela, espelha-se na posição da escritora, explorando a vocação para um talento e o conflito entre as forças de duas ambições: querer ter sucesso e sustento através da arte, mas expressando o seu compromisso artístico pessoal.

Com isso, "Mulherzinhas" é um filme comercial de registo clássico, emotivo, apaixonante e exuberante, que coloca no final uma questão que irá perdurar nos espectadores. De voz aprimorada, lustrosa, entretém-nos, enquanto cria uma meta-narrativa existencial entre si, Jo, Alcott, e todas as mulheres apaixonadas pelas suas obras.

"Mulherzinhas": nos cinemas a 23 de janeiro.

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