A HISTÓRIA: Existe a teoria que o ser humano devia nascer com uma pequena quantidade de álcool no sangue e que a embriaguez moderada abre as mentes para o mundo ao nosso redor, diminuindo os problemas e aumentando a criatividade. Atentos a esta teoria, Martin e três dos seus amigos, professores cansados do ensino secundário, embarcam numa experiência para manter um nível constante de intoxicação durante o dia de trabalho. Se Churchill venceu a Segunda Guerra Mundial ébrio, quem sabe o que alguns copos podem fazer por eles e pelos seus alunos?

"Mais Uma Rodada": nos cinemas a 29 de abril. Vencedor do Óscar de Melhor Filme Internacional.


Crítica: Daniel Antero

De uma forma ou de outra, todos sabemos o que Martin (Mads Mikkelsen) sente na crise de meia-idade que o aprisiona a si, e consequentemente se estende aos seus alunos, filhos e esposa. Outrora entusiasta, dançarino de jazz ballet, é agora um professor aborrecido e pai distante.

Quando num jantar com mais três amigos professores discutem a tese do psiquiatra norueguês Finn Skårderud de que os seres humanos nascem com um teor de álcool no sangue 0,05% mais baixo do que o que deviam, Martin e o grupo decidem repor esse nível durante as horas de trabalho e documentar os efeitos numa tese. Tudo pelo bem do estudo, claro. Mas Martin logo sente que há algo mais no projecto e sobe a parada alcoólica.

"Mais Uma Rodada", de Thomas Vinterberg, co-criador do movimento cinematográfico Dogma 95, é um filme doce e convencional na sua narrativa, sem o lado sombrio que costuma povoar o cinema do realizador dinamarquês, visto em "A Celebração", "Submarino" e "The Hunt - A Caça".

Mas sabemos que a provocação está sempre iminente. Seja pela exuberância da cena final num momento catártico de Martin ou pelas micro-narrativas complexas que cada professor vive, Vinterberg não se inibe e, de modo rebelde, celebra a bebedeira e a camaradagem.

Naturalmente, "Mais Uma Rodada" começa festivo, com alegria e auto-confiança injetada em goles de vodka no corpo dos professores, que passam a entusiasmar os seus alunos, a cativar as suas famílias. Mas como qualquer exagero ébrio, avança para a previsível irresponsabilidade, que arruinará carreiras, terá revelações dolorosas e quebrará casamentos já em ponto de ebulição.

A premissa científica embala-os, agindo como justificação para continuar, mas na crise de meia idade facilmente resvalam para o “beber até esquecer”.

Em momentos melancólico, noutros espirituoso, "Mais Uma Rodada" não tem autocomiseração pelos seus personagens e pela sua juventude perdida. São adultos que irão enfrentar os seus problemas, tendo em Martin o "shot" decisivo de moral. Ele sai da experiência científica sabendo que a bebida não resolverá a cisão da sua família, que a celeuma de outrora sempre ali esteve e que o invólucro do seu corpo só está preso por causa da sua mente.
E é aí, num momento de grande celebração que culmina este tributo à amizade, que Vinterberg e Mikkelsen dançam sem inibições, câmara com ator, memórias com ambições, oferecendo-nos uma lembrança extasiante do que é viver, abrindo-nos o espírito num ano de saturação de pandemia às costas, de sufoco de quatro paredes à volta, de angústia lânguida que se arrasta.

Filme nomeado a dois Óscares, "Mais Uma Rodada" é um brinde à vida e uma chamada de atenção: não esperem para celebrar.