A HISTÓRIA: A professora Emi vê a sua carreira e reputação ameaçadas depois de uma ‘sex tape’ pessoal ir parar acidentalmente à Internet. Forçada a enfrentar os pais dos seus alunos que exigem a sua demissão, Emi recusa-se a ceder à pressão.

"Má Sorte no Sexo ou Porno Acidental": nos cinemas a partir de 9 de setembro.


Crítica: Hugo Gomes

A génese de "Má Sorte no Sexo ou Porno Acidental" pode não ter vindo da pandemia, mas foi através dela que encontrou todo um fundamento para a sua existência: cineasta romeno da pós-vaga que celebrou autores, hoje fundamentais, como Cristian Mungiu (“4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias”) ou Corneliu Porumboiu (“12:08 a Este de Bucareste), Radu Jude prestou-se a ser um dos mais críticos não apenas do poder local, mas também à História romena, nunca branqueando-a em prol do espetáculo cinematográfico.

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No Urso de Ouro no último Festival de Berlim, o realizador afronta uma sociedade apática construída envolta na sua barbárie. Eis um Facebook transferido para o mundo "real", com corpo e língua própria.

Mas antes de lá chegarmos, ao punhado de disparates mundanos e outras provocações fáceis, o filme abre com a sua devida “pedrada”, pornografia feita a servir de "MacGuffin" [pretexto narrativo ] para o que aí vem. E esse seguimento coloca em causa a intimidade de uma mulher, impedida de se expressar sexualmente e, acima disso, errar.

“Não há revolução sem revolução sexual” é o slogan subliminar que preenche todo o filme (principalmente a plasticidade abraçada do terceiro ato), vindo do influente título “W.R. – Os Mistérios do Organismo” (do realizador jugoslavo Dusan Makavejev, 1971), para demarcar a falta de desenvolvimento (ou fracasso) que estas lutas (ou manifestos) tiveram na sociedade moderna.

O vazamento de um vídeo caseiro explícito é a motivação dos piores pensamentos da moderna Humanidade. Onde está uma mulher, Emi (Katia Pascariu), professora de uma reputada escola que terá de confrontar os furiosos pais dos seus alunos. O julgamento em “praça pública” é rápido e premeditado, com a protagonista a pairar pela cidade levando consigo o peso de uma eventual sentença. Um cenário que a própria percorre, “contagiado” pela pandemia COVID-19, que ditou e transformou o quotidiano. Uma cidade movida pela violência, não somente física, mas também verbal e individualista. Este é o mundo de Emi, mas que conseguimos reconhecer que poderia ser o nosso.

Com o tal “tribunal improvisado” a aproximar-se, surge um intervalo para Radu Jude apresentar um "guia" para compreendermos todos os adereços associados a este “conto”. E entre os vários sketches didáticos que vão sendo mostrados como se fossem diapositivos, um destaca-se como ADN desta própria experiência e do cinema orientado por Radu Jude. Usando o mito de Medusa e do escudo espelhado de Perseu, o herói grego que aproveitou o reflexo para decapitar a monstruosa criatura de olhar condenado, pode-se ler o seguinte: “O cinema reflete os horrores do mundo, com os quais estamos demasiados amedrontados para ver na sua realidade”.

Pode parecer simplista reduzir um filme desta maneira, mas "Má Sorte no Sexo ou Porno Acidental" é uma lente filtrada para conseguirmos encarar os nossos demónios. Quais? Simplesmente, nós, eles e os outros. A Humanidade que não se entende, nem que deseja ser entendida. Logo, a via mais fácil é a pornografia.