A HISTÓRIA: A tensão e a temperatura sobem durante uma tarde de gravações na Chicago dos anos 1920, enquanto um grupo de músicos aguarda a chegada da pioneira e lendária Ma Rainey, mais conhecida como a 'Mãe do Blues'. Atrasada para a sessão, a indomável e explosiva Ma entra num braço de ferro com o seu agente e o seu produtor, ambos brancos, pelo controlo da sua música. Enquanto o grupo espera na claustrofóbica sala de ensaios, o ambicioso trompetista Levee, de olho na namorada de Ma e determinado a construir a sua própria carreira na cena musical, desencadeia nos colegas uma sucessão de histórias, cujas verdades reveladoras irão alterar para sempre o curso das suas vidas.

"Ma Rainey: A Mãe do Blues": disponível na Netflix a partir de 18 de dezembro.


Crítica: Daniel Antero

Responsável pela adaptação cinematográfica do espólio do dramaturgo August Wilson, o ator Denzel Washington (que começou o projeto com a realização de “Fences / Vedações”) continua a sua imersão nas 10 obras teatrais do “Pittsburgh Cycle”, uma por década sobre a experiência negra no século XX.

Agora no papel de produtor, entregando a cadeira da realização a George C. Wolfe, surge a obra correspondente aos anos 20: "Ma Rainey: A Mãe do Blues".

A história decorre numa tarde de 1927, em que Chicago sofre dos calores do Verão e a cantora Ma Rainey e os artistas negros da sua banda sofrem a opressão imposta pela sociedade branca. Confinados em duas divisões de um estúdio a cair de podre, gravam vários temas numa sessão de tempo contado, tanto cientes da exploração a que estão sujeitos como, erroneamente, crentes que poderão ter uma oportunidade no mundo da música.

Ma é magistral, imperiosa, e sabe que assim que o vinil parar de rolar, o respeito e subserviência mudaram de novo de degraus. Viola Davis, irreconhecível, com maquilhagem exagerada e curvatura acentuada, crava os seus passos pelo set com uma força desafiante. Poderosa, intransigente, vemos a chama no seu olhar e o magnetismo de toda uma figura que luta para ser fiel às suas raízes, para dar voz à cultura do seu povo, como mãe protetora que exige respeito.

Do outro lado temos Levee, talentoso trompetista cheio de gana, que quer injetar o blues de jazz, para se adequar aos ouvintes brancos. De rosto aberto, movimentos esguios, Levee desliza pelo set de modo entusiasta, carente, pavoneando-se com as suas partituras na mão, gabando-se do seu talento, enquanto esconde os seus demónios e cicatrizes. É o papel de um generoso Chadwick Boseman, que faleceu em agosto por causa de um cancro e tem aqui a sua despedida, com uma energia eloquente e incrível que nos emociona e transcende a figura de Levee.

Como se teve oportunidade ver em "Vedações", as personagens de August Wilson são reveladas em camadas, onde o passado assombra e as chagas vão-se abrindo gradualmente: quando os outros membros da banda - Culter (Colman Domingo), Toledo (Glynn Turman) e Slow Drag (Michael Potts) - declamam sobre a situação do homem negro num país que não o entende mas explora, e questionam a subserviência de Levee para com os administradores brancos, irrompem confrontos geracionais.

Religião, vingança, linchamentos são visados e lembrados, e cada um expõe a sua parte vivida na opressão. Escalando a tensão até à inesperada cena final, a fúria e visão do dramaturgo propagam-se até aos nossos tempos, marcando a aura do blues…

Teatral, apaixonante e doloroso, "Ma Rainey: A Mãe do Blues" é celebração e tragédia, sonho e frustração, com o talento de três ícones: Viola Davis, Chadwick Boseman e August Wilson.

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