"Tão cedo!!", diríamos todos nós em uníssono perante mais um "reboot" feito por Hollywood. O que acontece é que este não era à partida o “Hellboy” que pretendemos ver nas salas de cinema, mas ... de momento é aquilo que temos e é um facto que devemos temer aquilo que nos dão.

Criado em 1991 por Mike Mignola, "Hellboy" é um dos símbolos máximos da editora Dark Horse, uma BD que se converteu num respeitado culto, o qual foi impulsionado pela adaptação de 2004 de Guillermo Del Toro.

Num ano em que o cinema de super-heróis se demarcava a passos triunfantes da série B em que estava aprisionado nos anos 90, a personagem de Mignola ganhou vida com Ron Perlman, que atribuiu, acima de tudo, feições humanizadas ao "monstro".

Apesar de não ter brilhado nas bilheteiras, a obra atingiu um certo estatuto durante a sua "digressão" pelo "home video", o que motivou uns quantos "spin-offs" animados e uma sequela, "O Exército Dourado", também assinada por Del Toro. Que, por azar, estreou pouco depois de “O Cavaleiro das Trevas”, de Christopher Nolan, filme como se sabe, valorizado pela interpretação do recentemente falecido Heath Ledger como Joker, causou um alvoroço e tanto nas bilheteiras de todo o Mundo.

O díptico apenas conseguiu arrecadar uma modesta quantia de 260 milhões de dólares totais e globais, que pouco deram para os gastos das respectivas produções (se contarmos com os valores de marketing). E tendo em conta o insucesso do último tomo da saga, mesmo com aberturas para sequela (os fãs salivava por ela), o estúdio tardou a financiar um terceiro filme.

Entretanto, Del Toro partiu para jornada da Terra Média (foi cotado como realizador de “The Hobbit”, tarefa que acabou por retornar a Peter Jackson após a sua desistência) e sucessivamente para “Batalha do Pacífico”, “A Colina Vermelha” e o premiado “A Forma da Água” (vencedor do Leão de Ouro de Veneza, assim como o Óscar de Melhor Filme). Pelo meio, a história perdeu-se, o projeto de um terceiro filme caiu e a produtora The Lionsgate partiu para a aventura com novo maestro e orquestra.

O maestro é Neil Marshall, anteriormente realizador de culto, com filmes como “Lobos Assassinos” (2002), “A Descida” (2005) e o subvalorizado “Doomsday - Juízo Final” (2008), atualmente convertido a tarefeiro da HBO com alguns episódios de “A Guerra dos Tronos”, que transporta a imaginação de Mike Mignola para um frenesim tecnológico.

E o principal membro da orquestra é agora David Harbour, que tendo o sucesso da série da Netflix “Stranger Things” no currículo, encarna o "filho do Diabo" com a convicção necessária, mesmo não possuindo o dito humanismo de Perlman (graças ao desenvolvimento conseguido por Del Toro). De facto, assume-se como o melhor deste "reboot", expondo um sarcasmo garantido que, em certo jeito, reflete-se como autoparódia de toda a produção.

O resto? Mesmo com as recontagens existentes nos trabalhos de Del Toro, este novo “Hellboy” carece, não de alma, mas de carnalidade. Possivelmente culpa dos gastos em CGI em prol de uma orgia completa de artificiais criaturas e “rios” de sangue, ao contrário do trabalho delicado nos efeitos práticos dos anteriores.

Mas a pior descostura é a condução narrativa: mesmo sentindo um esforço hercúleo de tentar encontrar uma focada luz nos trambolhões que o conceito oferece, é uma verdadeira indulgência. As personagens secundarizadas estão lá como marcos posicionais da intriga (a promessa representada por Sasha Lane, vista em “American Honey”, é desaproveitada, com um boneco como desculpa de personagem) e as questões inerentes do protagonista, para as quais foram precisos dois filmes para desenvolver, são orientadas como das mais leves afrontas.

Mas o que interessa isso? Prevemos que tenha sido esta a pergunta retórica colocada pelos envolvidos do projeto, visto que “Hellboy” apresenta uma tremenda imaturidade no tratamento do seu material, que é um obstáculo para a superação do seu maior desafio:  manter os olhos do espectador do século XXI, rodeado de distrações e com uma concentração frágil, "colados" ao grande ecrã.

Para isso, sacrificam-se impasses nas ideologias que se pretendem abordar para efeitos de solidificar a personagem principal, a atmosfera torna-se numa futilidade e a narrativa é despachada e completamente virada para uma ostentação a nível visual.

Ao referir a sua estética, deparamo-nos com um verdadeiro embaraço: desde os efeitos visuais até à condução das sequências de ação, tudo é regido numa linguagem dita de videojogo. Isso adivinha-se a léguas após o prólogo, que, como o costume, coloca o espectador no contexto narrativo do “macguffin” (o "objeto" ou a "missão" que o filme desenvolverá como fio condutor), onde presenciamos o feiticeiro Merlin (Brian Gleeson) a rebaixar o seu capuz, num movimento acompanhado com “slow motion”.

Questionamos o porquê daquele inserido efeito, para entendermos que é essa a verdadeira essência do filme - nada disto faz sentido algum na arte de contar uma história. Arte que aqui, reforçamos, escasseia.

Se Guillermo Del Toro tentou, através das suas forças, retirar Hellboy das sombras, Neil Marshall as devolve ... e isso não é bom sinal!

"Hellboy": nos cinemas a 11 de abril.

Crítica: Hugo Gomes

Trailer:

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