A HISTÓRIA: Francisco, um arquiteto de sucesso, convida os seus três melhores amigos de longa data, Joana, Simão e Vasco, para um fim de semana de lazer longe da cidade. Mas quando David, um velho amigo em comum que deixou marcas indeléveis nas vidas de todos, anuncia o desejo de os visitar após um longo período de ausência do país, instala-se um ambiente ameaçador neste refúgio modernista abrigado no seio da floresta. Desarmados pela surpresa, os quatro companheiros entram em trajetória de colisão enquanto aguardam a chegada desta figura mítica, revelando feridas profundas recalcadas durante os últimos dez anos.

"Golpe de Sol": nos cinemas a 13 de agosto.


Crítica: Daniel Antero

No horizonte arrasta-se um fumo negro. Um incêndio florestal começou e o som dos aviões e helicópteros perturba a quietude solarenga de quatro amigos que, longe da sua vivência "hip" e citadina, se reuniram para uma recatada e longa pausa numa vivenda solapada no sertão alentejano.

São três homens e uma mulher, o argumentista Simão (Ricardo Barbosa), que se refugia para escrever um guião baseado neles todos, Vasco (Ricardo Pereira), Francisco (Nuno Pardal) e Joana (Oceana Basílio). Que se envolveram no passado e passam a cogitar o futuro, quando do nada, uma chama retorna para os incendiar.

Este fumo que eles veem ao longe é da chama iminente de David, um amante passado dos quatro, que ao fim de uma década de ausência se anuncia como convidado especial para o fim de semana.

Numa lentidão fervorosa, como o crescendo de um escaldão na pele de quem adormece ao sol, o argumentista e realizador Vicente Alves do Ó clama a chegada deste ser especial, pelas repetidas chamadas e mensagens telefónicas. Mas faz-nos esperar, escondendo-o nas memórias e especulações de cada um. Porque vem David? E qual deles virá ele buscar?

De registo lento e sofisticado, com longos planos, Vicente Alves do Ó é parcimonioso e eloquente no texto e no espaço. Enquanto nos apresenta um ambiente de poucas palavras e de horas tardias com copo na mão nas margens da piscina, vai revelando gradualmente o puzzle do passado, colocando a descoberto as verdades e traumas infligidos por aquele que aí vem.

Para construir esta evolução, procura criar uma atmosfera opressiva, isolada, substituindo a solenidade, química e sedução entre os quatro amigos, por insinuações nervosas, sussurros, intrigas, violência física e, mais tarde, a urgência da reconciliação. Começa com uma artificialidade vaga e demorada, por vezes minimalista, outras vezes vazia, pois dá primazia a uma forçada poesia visual, composta por rostos bonitos e a casa moderna.

Será nesta conjugação que se delineiam as motivações e mágoas de cada personagem. Bastam os poucos objetos presentes: uma cigarreira, um frasco de comprimidos, uma arma, uma dourada, para se sentir o peso do “calor”. Mas é também aqui que nos amolece e tira alguma energia enquanto espectadores.

“Golpe de Sol” é assim também com os gestos e as palavras, onde a métrica textual do argumento e a cadência do toque físico é mais forte do que a naturalidade da interpretação dos atraentes atores.

Se por um lado este registo faz-nos perder empatia com estes, por outro percebemos que a ausência de alma nas suas vozes é compensada/influenciada pela voz "off" niilista de David. Ainda que seja de notar o talento de Ricardo Pereira, que agita os demais, com um papel romântico e vibrante.

A espontaneidade não abunda neste "Golpe de Sol", mas é assim que é um escaldão, ou um fumo lento que se propaga: quando damos conta, já estamos marcados e todas as ações só irão servir para ajudar a sarar. Como acontece com os quatro amigos, que finalmente percebem ser peões de um conto narrado por David, personagens de um argumento escrito por Simão e invólucros resplandecentes nas mãos de Vicente Alves do Ó.

E quando o fazem, finalmente tomam conta das suas vidas.