A HISTÓRIA: Dois cantores perseguem o sonho de se tornarem estrelas da pop numa competição internacional, onde a pressão, os rivais e outras peripécias vão pôr à prova os seus laços.

"Festival Eurovisão da Canção: A História dos Fire Saga" está disponível na Netflix Portugal a partir de 26 de junho.


Crítica: Daniel Antero

Ansiosos pelos momentos extravagantes, embaraçosos, espampanantes e épicos que o palco da Eurovisão em Roterdão traria em Maio, mas os planos foram colocados em quarentena?

"Festival Eurovisão da Canção: A História dos Fire Saga" tem tudo isso e muito mais, recriando todas as figuras habituais da contenda musical europeia ao mesmo empo que mostra afecto e celebra o glamour muito próprio do festival.

E claro, articulando a marca comercial, vendendo-a ao mercado norte-americano através da nostalgia via ABBA e o magnetismo dos artistas Eurovisão da nossa geração. Até Salvador Sobral tem destaque, com uma participação especial, sem artifícios, delicada e sensível, onde a sua música “Amar pelos Dois” e ele próprio ao piano, embelezam imagens da cidade de Edimburgo.

Já os restantes, como Conchita Wurst ou Netta, são integrados num "song-along", rapsódia musical de "Believe," "Ray of Light," "Waterloo" e "I Gotta Feeling," onde as personagens de Will Ferrell e Rachel McAdams são introduzidas à luxúria desta olimpíada da música pop.

Os dois são Lars Erickssong e Sigrit Ericksdottir (que podem ou não ser irmãos, uma piada recorrente do filme), membros da ridicularizada banda Fire Saga, que subitamente se vê como a única proposta oficial da Islândia ao festival.

Esta sempre foi a máxima ambição de Lars, que na infância, após a morte da mãe, fora resgatado de uma profunda depressão pela magia de Waterloo dos ABBA, e desde esse momento, de pulmões cheios, anunciava que um dia o iriam ver naquele mesmo palco. Já Sigrit vive longe desta fogosidade colorida, mas anseia por mostrar a sua verdadeira alma, atingindo a mítica nota vocal Speorg.

A relação e identidades serão postas à prova nas eliminatórias do festival, quando são manipulados por artistas já catedráticos nestas andanças, que veem neles talento e uma enorme ingenuidade.

É aqui que se tem de destacar o animal de palco Dan Stevens, bem longe de "Downton Abbey", que no papel do russo Alexander Lemtov, deixa fluir o seu melhor George Michael enquanto reprime a homossexualidade sob a vigilância da "Mãe Rússia".

Num guião recauchutado, claramente encenado a partir de "The Producers" de Mel Brooks, os co-argumentistas Will Ferrell e Andrew Steele parodiam a Eurovisão no limite do comercialmente aceitável, procurando manter sempre o seu humor mais agressivo na componente física e absurda dos seus atores.

Por outro lado, não perde a oportunidade de usar o subtexto dos números musicais e colocar as coreografias e os sets bizarros a seu favor, enaltecendo a extravagância deste centro de diversidade e talento que é o festival. Bem como o choque de culturas, onde a mitologia nórdica e algumas idiossincrasias vêm mesmo a calhar.

O problema é que, com duas longas horas, marcadas pela constante introdução de cenas musicais, consequência da influência corporativa do festival sobre o filme, quando as piadas se espalham ao comprido no palco quebra-se a evolução e "A História dos Fire Saga" tem dificuldade em voltar ao ritmo.

Os fãs do Festival da Eurovisão terão momentos de contentamento e vão reconhecer que algumas das novas músicas até teriam potencial para estar nas eliminatórias do evento a sério, enquanto os que vão por Will Ferrell vão encontrar a sua típica comédia de contornos infantis e absurdos e vão “song-along”.

Quem conseguir juntar o melhor dos dois mundos fica com a ânsia preenchida.