A HISTÓRIA: Daniel vive uma transformação espiritual num centro de detenção. Embora o seu cadastro criminal o impeça de prosseguir a sua vocação de seminarista, ele não tem intenção de desistir do seu sonho e decide gerir a paróquia de uma cidadezinha de província.


“Corpus Christi - A Redenção” leva-nos ao encontro de um assombroso, mas ainda esquecido, filme produzido em 2017, “ O Capitão”, que debatia a questão do “mal” e da nossa própria natureza, intrinsecamente relacionada com a imagem que deixamos ou fazemos transparecer.

Naquele regresso do realizador Robert Schwentke à Alemanha (mal-afortunado em terras norte-americanas com “R.I.P.D.” e “Insurgente”) , testemunhamos uma diluição de mal e poder na inicialmente caricata intriga de um soldado nazi que encontra, de forma miraculosa, uma farda de oficial durante a sua deserção. Após vesti-la, assume automaticamente uma nova identidade e um estatuto social.

Neste filme de Jan Komasa, a “farda” volta a assumir o pathos identitário, mas nunca encaixando na catalogação binária, quando um jovem recém-saído do centro de detenção assume o papel de padre numa vila que se recusa reconciliar com os seus demónios.

A batina torna-se numa nova pele para este “delinquente”, da mesma forma que a sua inexperiência quanto a esta identidade o guia para não-ortodoxos caminhos de comunhão religiosa e, paradoxalmente, um processo de cura espiritual.

“Corpus Christi” revela-se encantado com esses métodos de redenção, na farsa que impõe e prolonga, com frieza técnica e o desempenho visceral do seu protagonista, Bartosz Bielenia, o qual, como Cristo, “abraça” o seu estatuto de mártir em cada missa.

Com um olhar atento à imagem do seu Salvador, segundos antes de dar início à sua leitura religiosa para com os demais, “Corpus Christi” poderia ser um "running gag", mas é uma reflexão da nossa capacidade de superar adversidades, cinicamente ligada ao estatuto que ansiamos ter neste mundo.

Apesar de se contorcer constantemente perante o mundo de violência, o final é a catarse literal dessa mesma essência, ao mesmo tempo que Jan Komasa manobra para o extremo oposto do efeito martirológio para que o filme se encaminha. Contornando e deixando em nós uma fantasmagórica presença de ira e inabalável emoção vivida. Porque no fim de contas, “Corpus Christi” é isso, pura emoção.

"Corpus Christi - A Redenção": nos cinemas a 6 de fevereiro.

Crítica: Hugo Gomes