A HISTÓRIA: Rio de Janeiro, 1940. Duas irmãs, Eurídice, uma jovem talentosa, mas bastante introvertida e Guida, a irmã mais velha, contrariamente, é uma mulher extremamente extrovertida. Ambas vivem num rígido regime patriarcal, que as leva a seguir caminhos completamente diferentes: Guida decide fugir de casa com o namorado, enquanto Eurídice esforça-se para seguir a sua carreira na área da música, ao mesmo tempo em que precisa lidar com as responsabilidades da vida adulta e um casamento sem amor.


Olhando para o cenário de 1950 de “A Vida Invisível”, no qual o nordestino Karim Aïnouz (“Madame Satã”, “Praia do Futuro”) adapta do romance de Martha Batalha, é fácil encontrar um dialogo certeiro e direto para com a nossa atualidade, nomeadamente o Brasil como todo esse “afundanço” social.

Torna-se evidente encarar o filme como um manifesto politizado, mas o erro está em menosprezá-lo como mero dispositivo de debate pois há muito para onde olhar e, sobretudo, sentir, naquele que é possivelmente um dos mais belos filmes brasileiros da última década. Até mesmo a sua luta, não assumindo contornos panfletários, atribui a estas personagens um motivo de vida… e de existência.

Euridíce e Guida (Carol Duarte e Julia Stocker), duas jovens moças, filhas de imigrantes portugueses, tentam, cada uma à sua maneira, ‘sobreviver’ num Rio de Janeiro longe das luzes, da praia e da bossa-nova, através da sua condição de mulher. Obviamente, numa cultura extremamente patriarcal e imposta por um conservadorismo estruturado, integrar o sexo feminino é um interminável obstáculo, muito mais quando há sonhos e ambições por preencher.

Karim Aïnouz remexe no tempo como a verdadeira força antagónica, uma bomba-relógio pronta a explodir e a lançar tudo para um negro caos. As personagens têm assim a hercúlea tarefa de se consolidar, em cartas nunca correspondidas, em carícias negadas, sorrisos sem troca e em sonetos sem recetor. Tudo porque o tempo assume a má-vontade numa espiral emocional e igualmente num guia “turístico” ao Brasil masculino povoado de homens patéticos.

Sim, “A Vida Invisível” é um aro de desencontros que nos irão levar à mais amargurada experiência de afetos, e isso já estava traduzido no seu início metafórico e materializado, a distância com que as duas irmãs se deparam, sem saber que o culminar de sentimentos terá o nome da grande diva brasileira, Fernanda Montenegro.

Até lá, por entre escolhas e promessas de um “final feliz” (bem sabemos que Karim Aïnouz não é desses), este é um melodrama brasileiro (mais do que o pejorativo telenovelesco que os mais céticos desejam atribuir) sobre a invisibilidade social, as causas que negamos, mas mais que tudo sobre as emoções que guardamos.

E como havia declarado, o tempo é inimigo, e o cinema brasileiro é hoje uma incógnita perante o triunfo eleitoral daqueles que sempre desprezaram as vozes “invisíveis”.

"A Vida Invisível": nos cinemas a 13 de fevereiro.

Crítica: Hugo Gomes

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